quarta-feira, 12 de agosto de 2009

PÓS-GRADUAÇÃO À DISTÂNCIA EM GESTÃO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIA - UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Tendo em vista a relevância do tema e a excelência do corpo docente, estamos colaborando na divulgação do curso, coordenado pelos renomados professores Cláudio Carneiro e Mônica Gusmão, referências nacionais no ensino jurídico. Será um curso de Pós-Graduação, caracterizado por uma visão interdisciplinar, voltado para a busca do saber de transformação. A Pós-Graduação a distância da Estácio oferece cursos que privilegiam aulas on-line e/ou teletransmitidas, oferecendo conteúdo via Internet. Assim, você conta com flexibilidade para acessar as aulas e os materiais de apoio. Você assiste às aulas onde, quando e quantas vezes quiser. Além disso, ficam à sua disposição na Sala de Aula Virtual todos os exercícios, materiais didáticos, temas relacionados nos fóruns de discussão e arquivos em pdf para download.
Estamos contribuindo como responsáveis pela organização do conteúdo das disciplinas Parte Geral e Direito Societário e Mercado de Capitais, na certeza de trazer os temas mais relevantes e atuais do ponto de vista prático, inclusive, com a visão das instituições que integram o Mercado, como a Comissão de Valores Mobiliários e a BMF&BOVESPA, entre outras.
O curso visa suprir lacuna existente no meio acadêmico oferecendo - não apenas aos profissionais do Direito, mas a todos aqueles (em especial contadores, administradores e empresários) que, de alguma forma, têm interesse no estudo das referidas matérias - um contexto pedagógico unitário, preocupado com a qualidade do conteúdo ministrado, sem perder de vista sua natureza também pragmática, voltada para as experiências cotidianas.

Disciplinas: MÓDULO:DIREITO EMPRESARIAL - 130 h- Direito Empresarial: Parte Geral (30 horas) - Sociedades Limitadas (20 horas)- Sociedades Anônimas e Mercado de Capitais (40 horas)- Falência, Insolvência Civil e Recuperação (40 horas);
MÓDULO: DIREITO TRIBUTÁRIO - 110 h- Sistema Tributário Nacional e Administração Tributária (30 horas)- Tributos em Espécie (30 horas)– Crédito Tributário e Processo Tributário (30 horas)- Planejamento Tributário e Evasão Fiscal (20 horas);
MÓDULO: CONTABILIDADE APLICADA AO DIREITO EMPRESARIAL - 80 h - Elaboração de demonstrações contábeis e escrituração (30 horas)- Análise econômico-financeira de empresas (30 horas)- Prática de Planejamento Fiscal: Auditoria e fraudes (20 horas);
MÓDULO: METODOLOGIA DE PESQUISA E DO ENSINO – 80h- Metodologia da Pesquisa Científica (40 horas) - Didática do Ensino Superior (40 horas). Mais informações:

http://www.estacio.br/

domingo, 2 de agosto de 2009



A AQUISIÇÃO E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA À LUZ DO ORDENAMENTO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

Autor: Vinicius Figueiredo Chaves. Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio, com extensões em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais. Pesquisador da pós-graduação em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, na área de Direito Societário. Formado pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Cursou os Programas Top VI e VII (Formação de Professores), em Mercado de Capitais, da Bm&fBovespa e Comissão de Valores Mobiliários. Professor Convidado do MBA Executivo da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá.

SUMÁRIO: Personalidade Jurídica. Aquisição. Efeitos. Sociedade não personificada. Sociedade em comum. Sociedade em conta de participação. Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica. Abuso do direito e fraude através da pessoa jurídica. Teoria maior e teoria menor da desconsideração. Teoria invertida. Aspectos processuais da teoria da desconsideração

Personalidade Jurídica

O Código Civil de 2002, ao tratar dos institutos da personalidade e da capacidade, prescreve que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. O dispositivo em questão indica a aptidão da pessoa para exercer direitos e contrair obrigações na ordem civil.

O novo texto legal substituiu o vocábulo “homem”, presente em dispositivo do direito anterior (Código Civil de 1916), por “pessoa”. A noção de pessoa, mais abrangente, nos permite identificar a capacidade de direito também das pessoas jurídicas.

A personalidade da pessoa humana se inicia com seu nascimento com vida (segundo alguns, desde a concepção). Já a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do respectivo ato constitutivo perante o órgão de registro com atribuição.

De acordo com o artigo 44 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito privado as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. As associações e fundações, consideradas sociedades sob a égide do sistema anterior, não mantiveram este status.
Com base na sistemática atual, é possível afirmar que toda sociedade é uma pessoa jurídica, mas nem toda pessoa jurídica é uma sociedade.

A personificação das sociedades nada mais é do que a atribuição de personalidade jurídica, ou seja, de capacidade de direito, que implica na possibilidade de atuar na ordem jurídica, seja exercendo direitos ou contraindo obrigações.

A personalidade da pessoa jurídica difere da personalidade jurídica de seus membros. Ela tem existência distinta e, assim, poderá tanto exercer direitos quanto contrair obrigações em nome próprio, sejam aquelas decorrentes da própria lei ou mesmo as assumidas através de seus órgãos de representação.

Aquisição

O “nascimento” de uma sociedade, isto é, o começo de sua existência legal, como ente autônomo e distinto de seus sócios, se dá com o registro de seu ato constitutivo perante o órgão competente (art. 985 CC/02). A partir de então ela adquire personalidade jurídica e a aptidão para exercer direitos e contrair obrigações em nome próprio.

Segundo a Lei, sociedades personificadas são aquelas regularmente constituídas e registradas no órgão com atribuição (art. 45 c/c arts. 985 e 1.150, todos do CC/02).

A constituição regular dependerá da observância de uma séria de requisitos mínimos estabelecidos para a constituição das sociedades. Neste ponto, podemos verificar a existência de requisitos gerais, comuns a todas as sociedades, tal como a pluralidade de sócios. Por outro lado, existem também requisitos específicos, às vezes próprios de um determinado tipo societário, tal como a exigência de conselho de administração nas companhias abertas.

Quanto ao registro é preciso primeiramente identificar o órgão próprio, providência que deverá ser precedida de análise acerca da natureza da sociedade. Isto porque o Código Civil classificou as sociedades em empresárias ou simples, sem concentrar a atribuição do registro a um único órgão. Estas deverão registrar seu ato constitutivo perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Aquelas deverão fazê-lo perante o Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais. Esta é a regra.

Discute-se na doutrina se o registro guardaria natureza constitutiva ou declaratória. Alguns sustentam que embora, segundo o Código Civil, as sociedades somente adquiram personalidade com o registro, na prática elas adquirem-na no ato de sua constituição. O fundamento deste raciocínio se encontra no artigo 987, que possibilita a terceiros provarem a existência de sociedade, ainda que não inscrita no registro próprio.

Por fim, deve-se ressaltar que o empresário individual não adquire personalidade jurídica com o registro no RPEM ou RCPJ. Na condição de pessoa humana, adquire personalidade jurídica quando de seu nascimento com vida. A inscrição de sua firma perante o órgão com atribuição apenas lhe confere regularidade.

Efeitos

Como primeiro efeito da aquisição da personalidade decorre a aptidão da pessoa jurídica para exercer direitos e contrair obrigações em nome próprio.

Outro efeito fundamental que decorre da personificação é a autonomia patrimonial das sociedades. Ela consiste na existência de um patrimônio próprio, destacado do patrimônio dos sócios, independentemente do grau de responsabilidade assumido pelos membros da sociedade.

É relevante destacar que a sociedade, diferentemente de seus membros, tem responsabilidade sempre ilimitada. Melhor explicando: a sociedade sempre responderá com todos os seus bens pelas obrigações contraídas. A eventual limitação de responsabilidade será sempre dos sócios ou acionistas, dependendo do tipo societário adotado.

Como vimos, é o registro no órgão com atribuição quem confere personalidade e regularidade à sociedade. A falta de registro ou mesmo, segundo alguns, a sua realização perante órgão sem atribuição poderá acarretar sanção civil das mais graves aos sócios, qual seja, responsabilidade solidária e ilimitada, independentemente do tipo societário adotado.

A noção de regularidade é extremamente importante na prática. Como exemplo, podemos citar que somente as sociedades regulares poderão requerer a falência de seus devedores ou mesmo pedir recuperação, nos termos da Lei 11.101/05.

Sociedade não personificada

O Código Civil de 2002 classificou as sociedades em personificadas e não personificadas, conforme tenham ou não personalidade jurídica.

Como sociedades não personificadas foram elencadas a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação.

Não personificada é a sociedade que não possui personalidade jurídica, ou porque não se efetuou o registro de seu ato constitutivo perante o órgão próprio, ou ainda porque a própria Lei determina a inexistência de personalidade.

É fundamental o entendimento de que tanto a sociedade em comum quanto a sociedade em conta de participação não podem ser considerados tipos ou formas societárias.

Sociedade em comum

Mônica Gusmão ensina que “sociedades em comum são aquelas que não têm os seus atos constitutivos inscritos no órgão competente (Registro Civil de Pessoas Jurídicas, se se tratar de sociedade simples, ou no Registro Público de Empresas Mercantis, se se cuidar de sociedade empresária)[1]”.

De acordo com o Código Civil de 2002, a organização da atividade assumiu papel de destaque na identificação da natureza das sociedades, bem como para a verificação do órgão de registro adequado para a inscrição de seus atos constitutivos.

Ocorre que, ao contrário do Código Civil Italiano, a lei civil brasileira não enumerou ou exemplificou as atividades que caracterizariam o exercício da empresa, limitando-se a conceituá-la como atividade econômica organizada. Como se não bastasse, o novo diploma legal, na forma do Art. 986 c/c o Art. 990, ao disciplinar a sociedade em comum, impõe ainda aos sócios uma sanção civil das mais graves (responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais), para a hipótese de não inscrição dos atos constitutivos.

Assim, a falta de critérios objetivos para a caracterização de uma atividade como “de empresa”, resulta na necessidade de, no caso concreto, se realizar um raciocínio sobre a existência ou não de uma estrutura empresarial.

Entretanto, a distinção entre as atividades objeto das sociedades simples e empresárias apresenta-se, em diversas situações, como muito tênue. Criou-se, na verdade, uma verdadeira zona cinzenta para o intérprete, devido à mencionada dificuldade para enquadramento no conceito geral e conseqüente classificação.

Pelo exposto, não parece razoável a imputação de sanção tão grave aos sócios, para eventual hipótese de inscrição perante órgão inadequado. A referida sanção deve se restringir às hipóteses de falta de inscrição, má-fé, erro crasso ou inobservância da norma constante do parágrafo único do Art. 982.

Sociedade em conta de participação

A sociedade em conta de participação apresenta uma forma sui generis de realização de seu objeto social.

Segundo o artigo 991, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por um dos sócios, denominado “sócio ostensivo”, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade. Os demais sócios, denominados “sócios participantes”, apenas participam dos resultados decorrentes do exercício da atividade.

Pelas obrigações contraídas perante terceiros responde tão-somente o sócio ostensivo. Já o sócio participante responde apenas perante o ostensivo, na forma do contrato social.

Muitos autores sustentam que a sociedade em conta de participação não é uma verdadeira sociedade, por lhe faltarem características essenciais às sociedades.

O artigo 44 do Código Civil estabelece que as sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, o que significa possuírem personalidade jurídica. Por outro lado, ainda que se efetue a inscrição do ato constitutivo da sociedade em conta de participação, esta não será dotada de personalidade jurídica, conforme se depreende da leitura do artigo 993 do Código Civil.

Desconsideração da personalidade jurídica

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu de construções doutrinárias e jurisprudenciais, a partir de estudos e julgamentos de casos concretos levados às Cortes de Justiça inglesas e norte-americanas.

No Brasil, foi inserida no ordenamento jurídico somente com o advento da Lei 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor. Em seguida, foi prevista nas Leis 8.884/94 e 9.605/98. O Código Civil de 2002 também a incorporou, ao estabelecer em seu artigo 50 que “em caso de abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Da personificação societária decorre a autonomia subjetiva e objetiva da pessoa jurídica. O primeiro aspecto indica a criação de um ente cuja existência não se confunde com a de seus sócios, enquanto o segundo aponta para a formação de um patrimônio próprio distinto do patrimônio pessoal dos sócios.

Por outro lado, constatou-se que o reconhecimento de autonomia absoluta à pessoa jurídica, além de outras prerrogativas conferidas pelo ordenamento jurídico, dava margem ao seu mau uso pelos sócios, a partir do desvirtuamento de suas finalidades, em detrimento de sua função social. Em outras palavras, utilizava-se corriqueiramente o “escudo” da personificação para fins contrários ao Direito, invocando-se a autonomia, principalmente em seu aspecto objetivo, para conseguir a isenção de responsabilidade pelos atos ilícitos levados a efeito.

Em relação à questão levantada acima, oportuno trazer a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

“Como se vê destes exemplos, por vezes, a autonomia patrimonial da sociedade comercial dá margem à realização de fraudes. Para coibi-las, a doutrina criou, a partir de decisões jurisprudenciais, nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pela qual se autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização de fraude. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação que, originalmente, cabia à sociedade[2]”.

Também conhecida como disregard doctrine, disregard of the legal entity ou teoria da penetração, a teoria constitui relativização do princípio da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros, sendo aplicada no caso concreto com o objetivo de afastar momentaneamente a personalidade, no sentido de estender aos sócios a responsabilidade por determinadas obrigações contraídas pela pessoa jurídica, em virtude de atos irregulares (abuso de direito/fraude) praticados em sua gestão.

A desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com a despersonificação societária. São institutos totalmente distintos.

Segundo Requião, “... a disregard doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente visa desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos[3]”.

A desconsideração consiste no afastamento momentâneo da personalidade jurídica da sociedade para, em determinado caso em concreto, estender aos sócios a responsabilidade pelo cumprimento de determinadas obrigações. Não há anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão. Já a despersonificação elimina definitivamente a personalidade jurídica da sociedade, implicando na sua extinção. A sociedade, então, deixa de existir.

Doutrina e jurisprudência identificam alguns pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração, entre eles:

l Constituição regular da sociedade, isto é, que se trate de sociedade personificada, o que afasta desde logo a possibilidade de sua aplicação em relação às sociedades em comum e em conta de participação;
l Abuso da personalidade jurídica (abuso de direito/fraude) praticado pelos sócios, em nome da pessoa jurídica;
l Prejuízo a terceiro em decorrência do ato;
l Excepcionalidade (impossibilidade de sanção por modo diverso, ou seja: a teoria não deve ser invocada nas hipóteses em que a própria Lei já impõe responsabilidade aos sócios ou administradores, como no caso do art. 1.080 do CC/02).

A questão da excepcionalidade é fundamental para a aplicação correta da teoria. Está a indicar que a regra é privilegiar a personalidade jurídica, prevalecendo apenas excepcionalmente o mecanismo de penetração no âmago da pessoa jurídica, e ainda assim diante de situações específicas, através de afastamento momentâneo do véu societário.

Deve-se ressaltar, ainda, que existe diferença entre a desconsideração e a responsabilidade dos sócios e administradores de uma sociedade, já que a responsabilidade decorre da prática de ato ilícito ou má administração dos negócios. O ordenamento também prevê hipóteses de responsabilidade dos sócios e administradores pela prática de atos contrários à lei, ao contrato ou estatuto social, como as contidas nos artigos 158 da Lei 6.404/76 e 1.080 do Código Civil.

Sobre o tema, assim se posiciona Alexandre Ferreira de Assumpção Alves:

“Não há que se considerar a incidência da desconsideração da personalidade jurídica em situações de responsabilidade solidária ou subsidiária, porque na desconsideração o sócio responderá por ato próprio praticado sob a proteção da personalidade jurídica, enquanto nestas ele é co-responsável ou responsável secundário pelas obrigações assumidas pela sociedade. Embora o ato tenha sido praticado em nome da pessoa jurídica, esta não foi de fato sujeito da relação, simplesmente um instrumento valioso para o sócio atingir a finalidade almejada. Para ajustar a aparência à realidade, a pessoa jurídica deve ser isentada de qualquer responsabilidade decorrente do ato ou conjunto de atos praticados pelo agente nessas condições. Outrossim, cumpre salientar que as responsabilidades solidária e subsidiária são aplicadas de forma restritiva no direito brasileiro, haja vista referirem-se à sujeição passiva de terceiro por obrigação de outrem, ficando, por isso mesmo, adstritas aos casos previstos em leis ou convenções[4]”.

Por fim, é oportuno esclarecer que doutrina e jurisprudência reconhecem a subdivisão da teoria, nas vertentes conhecidas como teoria maior e teoria menor da desconsideração, a seguir explicitadas.

Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica

A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica é considerada como regra geral no direito brasileiro. Condiciona o afastamento da personalidade à existência de prova de fraude ou abuso de direito (desvios de finalidade), mas também pode ser invocada na hipótese de confusão patrimonial entre os bens particulares dos sócios e os bens da sociedade.

Abuso de direto e fraude através da pessoa jurídica

O abuso de direito e a fraude através da pessoa jurídica são requisitos para a aplicação da teoria maior da desconsideração. Ao contrário do que acontece na hipótese da aplicação da teoria menor, aqui a mera insolvência não é suficiente para a aplicação da teoria.

Teoria menor da desconsideração

O grande parâmetro jurisprudencial sobre a teoria menor da desconsideração foi construído a partir do julgamento, pelo STJ, do RESP 279.273, na demanda que envolvia o desabamento do Shopping Osasco, em São Paulo, cuja íntegra da ementa segue abaixo.

“Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping
Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais.
Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração.
Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código
de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.

- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem
econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses
individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.

- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico
brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a
pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se,
aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de
finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de
confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento
jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental,
incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento
de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade
ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas
não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica,
mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem
conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova
capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou
administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo
está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a
incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos
previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera
existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.

- Recursos especiais não conhecidos”.

Na teoria menor, o afastamento da personalidade se dá com a mera prova da insolvência, sem necessidade de verificação do abuso de direito e da fraude praticados por intermédio da pessoa jurídica. A inexistência de bens sociais para o pagamento do débito e a possibilidade de prejuízo daí decorrente já justificariam a desconsideração da personalidade.

Esta concepção vem sendo acolhida pelo Judiciário somente no âmbito dos Direitos do Consumidor, Ambiental e do Trabalho.

Teoria invertida

Entre as principais formas de efetivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, temos a conhecida como “teoria invertida”. No caso concreto, desconsidera-se a personalidade da sociedade para alcançar os bens dela própria, cuja estrutura serviu de escudo para atos fraudulentos praticados pelos sócios.

Como exemplo, podemos vislumbrar determinada situação em que o sócio “esconde” seus bens particulares, transferindo-os para a sociedade, com intuito único de se furtar a responsabilidades pessoais decorrentes de relações patrimoniais familiares, em benefício próprio e em detrimento de terceiros.

Aspectos processuais da teoria da desconsideração

Muito já se discutiu sobre os aspectos processuais da teoria.

Atualmente, prevalece que a parte prejudicada poderá pleitear a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade incidentalmente, isto é, nos próprios autos do processo onde se tenha verificado os requisitos e o prejuízo a terceiro. Não é preciso aforar demanda própria com pedido específico de afastamento momentâneo da personalidade jurídica. O STJ já se posicionou no sentido de que “a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentalmente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros”.

Por outro lado, muitas vezes é possível constatar a fraude de plano (ex: dissolução irregular, abandono de estabelecimento). Nestas hipóteses, alguns sustentam a possibilidade de desconsideração direta da personalidade. Restaria dispensada a necessidade de instauração de demanda prévia e exclusiva em face da sociedade, para só depois, já no curso desta, se pleitear o afastamento da personalidade jurídica. Ainda assim, é prudente ao autor da demanda incluir a sociedade no pólo passivo, ao lado de seus sócios, fazendo prova da situação de abuso ou fraude alegada como justificativa da desconsideração direta.

Outra questão de relevo diz respeito à necessidade ou não de se instaurar o contraditório prévio. Em outras palavras, se estaria o juiz obrigado ou não a ouvir a sociedade antes de decidir pela desconsideração de sua personalidade jurídica. No Ag.RESP 422583/PR, o STJ se manifestou no sentido de que “a desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que só pode ser decretada após o devido processo legal, o que torna a sua ocorrência em sede liminar, mesmo de forma implícita, passível de anulação”. Ainda assim, não são incomuns decisões que aplicam a teoria sem a instauração do contraditório prévio ao afastamento da personalidade.

Referências Bibliográficas:

[1] GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial, Rio de Janeiro: Ímpetus, 2003, p. 33
[2] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 12 Edição, 2000, p. 113
[3] REQUIÃO, Rubens. Aspectos Modernos de Direito Comercial, p. 69
[4] ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: Um estudo de direito civil-constitucional. In TEPEDINO, Gustavo, Problemas de Direito Civil-Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 144

sábado, 1 de agosto de 2009



Entre os dias 27 e 31 de julho, foi realizado em São Paulo o Programa de Treinamento TOP VII, em Mercado Financeiro de Capitais. O evento, em sua sétima edição, é fruto de uma iniciativa conjunta da Comissão de Valores Mobiliários, da BM&FBOVESPA, bem como de outras instituções participantes do mercado, tais como Abrasca, Andima, Ambid e Apimec. Contou com a participação de professores de todo o Brasil, através de uma seleção pública de currículos, entre aqueles que já tivessem lecionado disciplinas correlatas aos temas. Foram apresentados e debatidos os principais temas relacionados aos mercados, com enfoque numa análise interdisciplinar.

sábado, 25 de julho de 2009


Evento "Mercado de Capitais: Aspectos Tributários e Empresariais", realizado na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em 30/06/09. Da esquerda para a direita: Luiz Macahyba, José Luiz Beheregaray, Patrúcio Malafaia, Mônica Gusmão, Cláudio Carneiro, José Eduardo Cavalcanti e Vinicius Chaves.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Emerj debate mercados de capitais e seus aspectos tributários e empresariais
Extraído de: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - 29 de Junho de 2009
O superintendente de Produtos e Relações Institucionais da Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro), Luiz Macahyba, e o procurador do Município do Rio José Eduardo Cavalcanti de Albuquerque debatem amanhã, dia 30, o tema "Mercados de Capitais: aspectos tributários e empresariais". O encontro acontecerá na Escola da Magistratura do Estado do Rio (Emerj), das 10 às 12h, no Auditório Nelson Ribeiro Alves, localizado na Avenida Erasmo Braga, 115 - 4º andar, Centro do Rio.
Os debates ficarão por conta do procurador municipal do Rio Cláudio Carneiro e do professor Vinícius Chaves, especialista em mercados de capitais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O evento é uma iniciativa dos Fóruns Permanentes de Direito Tributário e de Direito Empresarial, ambos da Emerj, que têm, respectivamente, como vice-presidente e presidente, Petrúcio Malafaia Vicente e o desembargador Antonio Carlos Esteves Torres.
Serão concedidas horas de estágio pela OAB/RJ para estudantes de Direito e horas de atividade de capacitação pela Escola de Administração Judiciária aos serventuários que participarem do evento. Mais informações pelos telefones 3133-3369/3380. As inscrições devem ser feitas exclusivamente pelo site da Emerj (www.emerj.tjrj.jus.br).
ESTABELECIMENTO: O PRINCIPAL INSTRUMENTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Autor: Vinicius Figueiredo Chaves. Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio, com extensões em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais. Formado pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador da pós-graduação em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, na área de Direito Societário. Cursou o Programa de Treinamento TOP VI (extensão em Mercado de Capitais), de iniciativa da BM&F BOVESPA e CVM. Professor Convidado do MBA Executivo da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá.

SUMÁRIO: Estabelecimento Empresarial. Conceito e características. Elementos do estabelecimento. Trespasse do estabelecimento. Sucessão. Principal estabelecimento e sede. Penhor e desapropriação do estabelecimento

Estabelecimento Empresarial

Com base no princípio constitucional da liberdade de iniciativa, cabe ao particular a estruturação e o desenvolvimento da atividade econômica, para a satisfação dos seus interesses pessoais, mas sem deixar de observar a sua função social.

A organização dos fatores relacionados ao desempenho de cada atividade é de suma importância para o êxito dos projetos empresariais desenvolvidos pela iniciativa privada. Dentro deste contexto, o termo foi alçado a elemento central da Teoria da Empresa, adotada pelo Código Civil de 2002, com inspiração no modelo italiano.

A sua relevância é tal que se constitui como fator essencial à caracterização da figura do empresário e, por exclusão, do não-empresário, dois conceitos-chave na nova sistemática. Entretanto, apesar de se constituir como fator-chave à compreensão do novo modelo, o legislador não formulou um conceito para a expressão, deixando a tarefa a cargo do intérprete.

Seria possível elaborar uma série de conceitos na tentativa de bem definir o que vem a ser a organização. Mas, a partir da análise das normas do caput e do parágrafo único do artigo 966, não há como deixar de associar o vocábulo ao que a própria Lei denominou “elemento de empresa”.

O “elemento de empresa”, por sua vez, pode ser entendido como a organização da atividade a partir da criação, pelo empresário ou pela sociedade empresária, de uma estrutura empresarial adequada ao perfil da respectiva atividade econômica desempenhada, com vistas à obtenção de lucro.

A sociedade escolhe um ponto para estabelecer a atividade, realiza as devidas instalações, adquire máquinas, mercadorias, registra marcas, desenhos industriais, enfim, reúne e organiza um conjunto de bens destinados ao exercício da atividade descrita no seu objeto social. Portanto, a estruturação de um estabelecimento empresarial, também conhecido como fundo de empresa, fundo empresarial ou azienda (direito italiano), se apresenta como fator preponderante para a caracterização do elemento de empresa e decisivo para o êxito no desempenho da atividade.

Pelas razões delineadas nas linhas acima, o estabelecimento empresarial pode ser apontado como o mais relevante instrumento da atividade empresarial, demandando assim tutela específica por parte do Direito, com objetivo de regular as principais relações jurídicas que envolvem o tema.

Conceito e Características

Na condição de principal instrumento da atividade empresarial, nos é permitido chegar à seguinte conclusão, baseada na sistemática do Direito de Empresa: o empresário (empresário individual ou sociedade empresária) exerce a empresa (atividade econômica organizada) através do estabelecimento.

Inobstante a sua importância, a lei não confere personalidade jurídica ao estabelecimento. Isto significa que não estamos diante de sujeito, mas sim de objeto de direitos, o qual jamais poderá atuar na ordem jurídica. Em outras palavras, não poderá o estabelecimento ser parte de relações jurídicas, por não gozar da aptidão para exercer direitos e contrair obrigações.

O conceito legal de estabelecimento empresarial se encontra definido no artigo 1.142 do Código Civil de 2002.

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

O referido conceito foi inspirado naquele utilizado no Direito Italiano, berço da Teoria da Empresa, que define a azienda como “complesso dei Beni organizzati dall`imprenditore per l`esercizio dell`impresa”.

A doutrina acrescenta ainda alguns outros pontos, no sentido de completar o conceito legal, especificando a natureza dos bens que potencialmente poderão integrar um estabelecimento.

De acordo com Ricardo Fiúza, “o estabelecimento empresarial representa a forma pela qual o empresário ou a sociedade empresária reúne, organiza e explora seus recursos, incluindo os físicos, os humanos e os tecnológicos (bens corpóreos), assim como os bens incorpóreos, como marca, nome e patentes[1]”. Para Requião, o fundo empresarial “corresponde ao conjunto de elementos materiais e imateriais que não perdem sua individualidade, mas que, reunidos, constituem um novo bem com valor econômico próprio[2]”.

Como vimos, o estabelecimento tem especial importância para o exercício da atividade econômica, sendo merecedor de regramento jurídico específico e objeto de estudos em diversos países. Aliás, é notória a falta de consenso acerca de seu enquadramento jurídico.

À guisa de exemplo, podemos citar a questão da definição de sua natureza jurídica, tema sempre cercado das maiores controvérsias. Ao longo dos anos foram formuladas diversas teorias, tanto pela doutrina nacional quanto estrangeira, no sentido de tentar enquadrar o instituto em algum regramento jurídico.

Algumas teorias lhe imputam personalidade jurídica, outras o consideram como um patrimônio afetado. Há ainda aqueles que o consideram um bem imaterial pertencente à categoria dos bens móveis incorpóreos, ou uma universalidade de direito. Segundo Modesto Carvalhosa, “...somente se poderia reconhecer hipoteticamente ao estabelecimento a natureza de universitas juris se lhe fosse atribuído caráter de patrimônio separado, coexistindo com o patrimônio geral do empresário[3]” .

Mas no âmbito do Direito Brasileiro prevalece o entendimento de que se trata de uma universalidade de fato.

O artigo 90 do Código Civil conceitua a universalidade de fato como “a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”. Melhor explicando, trata-se da reunião de vários elementos individualmente considerados em torno de uma única destinação.

Esta reunião de uma pluralidade de bens singulares, destinados conjuntamente ao exercício de determinada atividade econômica, depende de um mínimo de organização, de forma a compatibilizar os fins a atingir e os meios a empregar, voltados para a maximização de lucros do empreendedor.

A referida estrutura, reunida e organizada da melhor maneira, forma um novo bem, dotado de valor econômico próprio, que integra o patrimônio do empresário ou da sociedade empresária. Assim, na qualidade de parte do patrimônio de seu titular, como qualquer bem, também poderá ser objeto de negócios jurídicos.

Elementos do Estabelecimento

A lei não estabelece quais elementos devam integrar um estabelecimento ou mesmo se existem elementos essenciais ou indispensáveis à configuração do instituto. Isto significa que o complexo de bens a que se refere o artigo 1.142 poderá ser organizado de acordo com os interesses do empreendedor.

Aliás, de uma maneira geral, os elementos que compõem os estabelecimentos vão variar caso a caso, especialmente se levarmos em consideração a natureza distinta das atividades desenvolvidas pelo empresário ou pela sociedade, os quais irão reunir e organizar os bens que entenderem necessários e funcionais ao desempenho de suas respectivas atividades.

Também não existe fixidez na estrutura reunida e organizada. Em outras palavras, poderão ser incluídos e até mesmo retirados determinados bens, conforme as necessidades e interesses do proprietário. Quanto à última hipótese, é oportuno esclarecer que a retirada não pode ser tal que venha a afetar o fundo de empresa, porque assim restaria prejudicado o exercício da atividade.

Para corroborar o raciocínio delineado acima, é oportuna a lição de Fabio Ulhoa Coelho, segundo o qual “...admite-se, até certos limites, que os seus bens componentes sejam desagregados do estabelecimento comercial, sem que este tenha sequer o seu valor diminuído. Claro está que a desarticulação de todos os bens, a desorganização daquilo que se encontrava organizado, importa em desativação do estabelecimento comercial, em sua destruição, perdendo-se o seu valor[4]”.

É oportuno ressaltar que esse complexo de bens abrange não apenas aqueles considerados como materiais ou corpóreos, como também os imateriais ou incorpóreos, todos organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária para o exercício da empresa.

São corpóreos todos aqueles que ocupam um espaço físico no mundo exterior. Podemos citar como exemplos os móveis, o maquinário, os veículos, as mercadorias em estoque, entre outros.

Os bens incorpóreos são todos aqueles que não ocupam um espaço físico no mundo exterior. Entre os principais bens imateriais, temos os bens de propriedade industrial, tais como as marcas registradas, as patentes de invenção, registros de desenho industrial e o título de estabelecimento.

Há controvérsia sobre se o bem imóvel integra ou não o estabelecimento. Alguns autores sustentam que, de acordo com o nosso ordenamento, que consagra o fundo empresarial como universalidade de fato, figura classificada juridicamente como bem móvel, não se poderia admitir a inclusão, dentro os seus elementos, de um bem imóvel.

Por outro lado, para a solução desta dúvida sobre a possibilidade de inclusão ou não do bem imóvel entre os elementos do fundo empresarial, é fundamental a análise do caso concreto. Caso o imóvel seja de propriedade do empresário ou da sociedade empresária, poderá integrar o estabelecimento, desde que se constitua como um dos elementos de exploração daquela atividade econômica específica exercida. Caso contrário, não sendo de propriedade do empresário ou da sociedade empresária, não poderá integrar o fundo de empresa.

Trespasse do Estabelecimento

Sendo o mais importante instrumento da atividade empresarial, é natural que esse complexo de bens reunido e organizado pelo empresário ou pela sociedade empresária, integrado por diversos elementos, mas considerado pela lei como um todo unitário, desperte o interesse como objeto da realização de negócios e, assim, seja dotado de um valor econômico.

Uma racional e eficiente reunião e organização dos elementos é fator decisivo para o sucesso no exercício da atividade econômica, agregando valor ao todo unitário resultante deste processo, pela possibilidade de maximização dos lucros decorrentes do desempenho da atividade. É por este motivo que, muitas vezes, o valor do estabelecimento empresarial supera o total da soma dos valores individuais dos bens que o compõem.

A definição de sua natureza como universalidade de fato não afasta a possibilidade de realização de negócios jurídicos específicos sobre alguns bens que o integrem, individualmente considerados. Mas é a alienação conjunta dos elementos que tem maior relevância, inclusive social, na medida em que possibilita a preservação da atividade econômica, ainda que o seu exercício seja levado a efeito por terceiro.

O artigo 1.143 do Código Civil permite a realização de negócios jurídicos envolvendo o estabelecimento, ao estabelecer que “pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”, entre os quais se inclui o contrato de alienação, também conhecido como trespasse.

O trespasse se constitui como uma das hipóteses de transferência voluntária do estabelecimento. Tem origem na expressão “passa-se o ponto”, mas desde já devemos dizer que o estabelecimento não pode ser confundido com o que se convencionou denominar “ponto comercial”, na medida em que este é apenas o local onde o empresário se estabelece e desenvolve o seu negócio. Estabelecimento e ponto comercial, então, são institutos diversos e a distinção fica muito clara quando analisamos a hipótese em que o proprietário do estabelecimento não é o proprietário do imóvel onde ele funciona, tendo ali se instalado em virtude da celebração de contrato de locação.

Também não podemos confundir a transferência do estabelecimento com negócios envolvendo a cessão de quotas ou aquisição de ações representativas de participação no capital das sociedades. O trespasse opera a transferência voluntária apenas do estabelecimento, sem alteração na titularidade das quotas ou ações da sociedade, como acontece nas hipóteses de cessão de quotas e aquisição de ações.

O trespasse é um negócio jurídico, um contrato, cujo objeto é a alienação voluntária do estabelecimento empresarial. Esse instrumento específico regulará os termos e as condições estabelecidas pelas partes para o negócio. Como vimos, é possível ressalvar a não inclusão de alguns bens que integram o estabelecimento, desde que a sua essência, como todo unitário, não reste descaracterizada.

Dada a importância do negócio jurídico em questão, especialmente em relação aos possíveis efeitos sobre terceiros, a lei exige uma série de requisitos para a sua validade, os quais podem ser divididos em:

a) quanto ao contrato:
- que o contrato seja averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis;
- que o contrato seja publicado na imprensa oficial.

b) quanto é eficácia da alienação em relação aos credores do alienante:
- que ao alienante restem bens para solver o seu passivo;
- que o alienante, caso não disponha de outros bens suficientes para solver seu passivo, pague previamente todos os credores, ou os notifique, via Cartório de Registro de Títulos e Documentos, sobre a realização do negócio, devendo obter consentimento expresso ou tácito, em até trinta dias após a notificação.

O negócio também importa numa série de conseqüências para o adquirente e para o alienante, tais como:

a) para o adquirente:
- responsabilidade pelo pagamento dos débitos regularmente contabilizados, anteriores à transferência;
- salvo disposição contratual em contrário, sub-rogação nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal;

b) para o alienante:
- permanece solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento;
- salvo autorização expressa, não poderá fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

Outra questão relevante relacionada ao trespasse está na análise da Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Segundo o Art. 94, III, “c” e “d” do referido diploma legal, aquele que realizar a transferência de seu estabelecimento a terceiro, sem a notificação e consentimento de todos os seus credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo, ou que simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização, ou para prejudicar credor, terá a sua falência decretada, pela prática de ATO DE FALÊNCIA.

A lei considera ineficaz em relação à massa falida o negócio que importa na venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, se não restarem ao devedor (alienante) bens suficientes para solver o seu passivo, desde que haja oposição dos credores (dentro de trinta dias), após serem devidamente notificados.

A Lei 11.101/05, com objetivo de preservar a atividade econômica, e assim manter a fonte geradora de riquezas, considerou a alienação do fundo empresarial como uma das soluções para a recuperação judicial do empresário ou da sociedade empresária, ao permitir o trespasse do estabelecimento.

Por oportuno, devemos destacar alguns enunciados editados pelo Conselho da Justiça Federal, por ocasião da realização da III Jornada de Direito Civil:

Enunciado 233 – Art. 1.142: A sistemática do contrato de trespasse delineada pelo Código Civil nos arts. 1.142 e SS., especialmente seus efeitos obrigacionais, aplica-se somente quando o conjunto de bens transferidos importar a transmissão da funcionalidade do estabelecimento empresarial.

Enunciado 234 – Art. 1.148: Quando do trespasse do estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite automaticamente ao adquirente. Fica cancelado o Enunciado n 64.

Sucessão

A transferência do estabelecimento acarreta a sucessão nas obrigações do alienante. Basicamente, as obrigações podem ser divididas em:

- Comerciais e civis;
- Tributárias;
- Trabalhistas.

A sucessão nas obrigações comerciais e civis do alienante tem fundamento no artigo 1.146 do Código Civil, enquanto a sucessão nas obrigações tributárias é imposta por normas específicas do Código Tributário Nacional, especialmente os artigos 132 e 133;

Já a sucessão trabalhista é fundamentada inicialmente no princípio de que, naquele ramo do Direito, qualquer alteração na propriedade ou na estrutura jurídica de uma sociedade não poderá acarretar prejuízos ao direito dos empregados. De acordo com esta linha de raciocínio, os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho corroboram a idéia de que a sucessão no Direito do Trabalho decorre da simples tradição do estabelecimento ao adquirente, com a transferência do complexo de bens agregados à atividade econômica exercida.

Ainda em relação à sucessão nas obrigações, é importante analisarmos os aspectos da Lei 11.101/05, que assim podem ser resumidos:

l Na Falência: o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e NÃO haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor (Art. 141, II - Maximização do Ativo);
l Na Recuperação Judicial: o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e NÃO haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor (Art. 90, p.único);
l Na Recuperação Extrajudicial: HAVERÁ sucessão do arrematante nas obrigações do devedor.

Outra questão relevante está relacionada à impossibilidade de o adquirente fazer concorrência ao alienante, na forma prevista no artigo 1.143 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.143. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

Aparentemente, quis o legislador criar um mecanismo de proteção do adquirente, no sentido de evitar o restabelecimento do alienante no mesmo ramo de negócio, por um determinado prazo. Parece razoável a limitação imposta, até porque, sendo de seu interesse, poderá o alienante negociar a autorização expressa para o seu restabelecimento no mesmo ramo, conforme lhe faculta a lei.

Por fim, devemos esclarecer que parte da doutrina formula uma série de críticas em relação ao tratamento dispensado pela legislação ao trespasse, no que diz respeito às perspectivas em relação à análise econômica do Direito. Argumenta-se que a imposição de pesadas responsabilidades ao adquirente de estabelecimento empresarial acaba por servir de desestímulo a potenciais interessados na sua aquisição, inibindo assim a realização de negócios visando a transferência de sua titularidade, o que muitas vezes vai de encontro ao princípio da preservação da atividade.

Principal Estabelecimento e Sede

De acordo com Mônica Gusmão, “as expressões sede e estabelecimento principal não são sinônimas. Sede identifica domicílio e tem conotação meramente administrativa. É adequada do ponto de vista contratual. Principal estabelecimento revela o aspecto operacional da empresa. É mais adequada do ponto de vista econômico”. Continuando, a autora adverte ainda que “a locução principal estabelecimento encerra o conteúdo completo do lugar onde estão os livros obrigatórios da empresa, onde se situa a sua chefia, de onde partem ordens, diretrizes e instruções. Numa palavra: o centro das suas decisões, a sua matriz. As filiais, sucursais e agências são estabelecimentos secundários, de modo geral vinculados ao estabelecimento principal[5]”.

Penhor do Estabelecimento

Em relação ao penhor, dispõe o Código Civil:

Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.
Parágrafo Único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

Trata-se de direito real de garantia que incide sobre bens móveis, pelo qual se opera a transferência da posse, permanecendo o bem vinculado ao cumprimento de obrigação assumida pelo devedor.

Há controvérsia na doutrina acerca da possibilidade de constituição de penhor sobre o fundo de empresa. A partir de análise da natureza do estabelecimento, os autores divergem em suas opiniões sobre a possibilidade ou não de que o estabelecimento, como todo unitário, seja objeto de penhor.

Por outro lado, é praticamente unânime o entendimento que aponta para a possibilidade de penhor de elementos isolados que integram o fundo empresarial.

Desapropriação

O instituto jurídico da desapropriação pode ser conceituado como um meio de intervenção drástica do Estado na propriedade privada, através do qual se opera a transferência da propriedade particular ao Poder Público, mediante o pagamento de indenização justa, prévia e em dinheiro.

Trata-se de ato expropriatório compulsório emanado pela autoridade administrativa, com vista à satisfação de interesse social ou utilidade pública. É permitido pela constituição e regulado por normas de Direito Administrativo, podendo gerar uma série de impactos no exercício da atividade econômica, até mesmo inviabilizá-la, na hipótese de incidir sobre imóvel que eventualmente integre determinado estabelecimento empresarial.

Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que não é correto falar em “desapropriação do estabelecimento”. A desapropriação é sempre do imóvel onde está instalado o fundo de empresa.

Como vimos, o estabelecimento empresarial é o principal instrumento para o exercício da atividade econômica organizada pelo empresário (individual ou sociedade). Então, não se lhe pode negar o status de bem economicamente apreciável, dotado de valor econômico, tanto que o próprio ordenamento regula hipóteses de celebração de negócios onerosos que o tenham como objeto.

Por razões idênticas, não se pode negar que a realização do ato administrativo expropriatório sobre o imóvel onde funciona o estabelecimento priva o empresário do principal instrumento para o exercício da atividade por ele desempenhada. Melhor explicando: a desapropriação configura verdadeiro desmantelamento do complexo de bens reunido e organizado pelo empresário ou pela sociedade empresária.

Portanto, é possível o ajuizamento de ação judicial autônoma contra o Estado, com fundamento na perda do fundo de empresa.

A indenização pela perda do fundo de empresa não se confunde com a indenização pela desapropriação do imóvel. Ambos os direitos podem convergir para uma mesma pessoa (empresário ou sociedade), quando esta é proprietária tanto do estabelecimento quanto do imóvel em que este se encontra instalado, ou mesmo para pessoas diferentes (locador: pessoa física ou jurídica / locatário: empresário ou sociedade), na hipótese de o proprietário do estabelecimento não ser proprietário do imóvel onde ele funciona (ex.: relação de locação), como nas situações elencadas abaixo.

l Empresário individual ou pessoa jurídica proprietários do imóvel – além da indenização justa, prévia e em dinheiro pela desapropriação, poderão ajuizar a ação autônoma com fundamento na perda do fundo de empresa;
l Empresário individual ou pessoa jurídica locatários do imóvel – a indenização pela desapropriação caberá ao proprietário do imóvel, mas eles poderão ajuizar a ação autônoma com fundamento na perda do fundo de empresa.


Referências Bibliográficas:


[1] FIÚZA, Ricardo. Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2004, pgs. 1.051-1.052
[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, 25 Edição, 1 volume, pgs. 96-98
[3] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito da empresa (arts. 1.052-1.195). São Paulo. Saraiva, 2003, vol. 13, pgs. 613-614
[4] COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. São Paulo. Saraiva, 2003, 14 Ed., p.58
[5] GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial. Rio de Janeiro. Ímpetus, 2003, p. 110
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 767.021 - RJ (2005/0117118-7)
RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO
RECORRENTE : INTERUNION CAPITALIZAÇÃO S/A - EM LIQUIDAÇÃO
EXTRAJUDICIAL
ADVOGADO : OTÁVIO BEZERRA NEVES SILVA E OUTRO
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : TATIANA P F WAJNBERG E OUTROS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE,
CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO.
EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PESSOA JURÍDICA. GRUPO DE SOCIEDADES COM ESTRUTURA
MERAMENTE FORMAL. PRECEDENTE.
1. Recurso especial contra acórdão que manteve decisão que, desconsiderando a personalidade
jurídica da recorrente, deferiu o aresto do valor obtido com a alienação de imóvel.
2. Argumentos da decisão a quo que são claros e nítidos, sem haver omissões, obscuridades,
contradições ou ausência de fundamentação. O não-acatamento das teses contidas no recurso
não implica cerceamento de defesa. Ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que
entender atinente à lide. Não está obrigado a julgar a questão conforme o pleiteado pelas partes,
mas sim com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas,
jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. Não
obstante a oposição de embargos declaratórios, não são eles mero expediente para forçar o
ingresso na instância especial, se não há omissão a ser suprida. Inexiste ofensa ao art. 535 do
CPC quando a matéria enfocada é devidamente abordada no aresto a quo.
3. “A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de grupo econômicos, deve ser
reconhecida em situações excepcionais, onde se visualiza a confusão de patrimônio,
fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. No caso sub judice, impedir a
desconsideração da personalidade jurídica da agravante implicaria em possível fraude
aos credores. Separação societária, de índole apenas formal, legitima a irradiação dos
efeitos ao patrimônio da agravante com vistas a garantir a execução fiscal da empresa
que se encontra sob o controle de mesmo grupo econômico” (Acórdão a quo).
4. “Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura
meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas
atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legítima a desconsideração da
personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as
demais sociedades do grupo. Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta
hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. A aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma
para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no
próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade
jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a
concretização de fraude à lei ou contra terceiros” (RMS nº 12872/SP, Relª Minª Nancy
Andrighi, 3ª Turma, DJ de 16/12/2002).
5. Recurso não-provido.
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 16.274 - SP (2003/0060927-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : NICK DAGAN
ADVOGADO : LUIZ FISCHER E OUTRO
T.ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
IMPETRADO : JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL
DE PINHEIROS - SP
RECORRIDO : ADELINO DA SILVA E CÔNJUGE
ADVOGADO : MARIA LUÍZA DA S BELLO DAGNESE
EMENTA
Processo civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Desconsideração da
personalidade jurídica de sociedade empresária. Sócios alcançados pelos efeitos
da falência. Legitimidade recursal.
- A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os
pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio
processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da
personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens
particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à
lei ou contra terceiros.
- O sócio alcançado pela desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade empresária torna-se parte no processo e assim está legitimado a
interpor, perante o Juízo de origem, os recursos tidos por cabíveis, visando
a defesa de seus direitos.
Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas
constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário. Os Srs. Ministros
Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra.
Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília (DF), 19 de agosto de 2003.(Data do Julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora

quarta-feira, 22 de julho de 2009

REFLEXÕES SOBRE A CIDADANIA CORPORATIVA E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO.

Autor: Vinicius Figueiredo Chaves. Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio, com extensões em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais. Pesquisador da pós-graduação em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, na área de Direito Societário. Formado pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Cursou o Programa Top VI (Formação de Professores), em Mercado de Capitais, da Bm&f Bovespa e Comissão de Valores Mobiliários. Professor Convidado do MBA Executivo da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Cidadania Corporativa. 3. Análise Econômica do Direito. 4. Conclusão.

1. Introdução

A construção de uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, que valorize a condição humana e assegure ao homem uma existência digna, que lhe permita o pleno exercício dos direitos individuais e sociais, passa pela necessidade da superação do paradigma até então existente, de que a responsabilidade social caberia exclusivamente ao Estado.

A Constituição de 1988 lançou a pedra fundamental neste sentido, ao inaugurar o Estado Gerencial Brasileiro. Essa nova concepção deixa a exploração da atividade econômica à cargo da iniciativa privada, cabendo ao Estado atuar como seu agente normativo e regulador, além de exercer as funções de fiscalização e fomento.

A opção do constituinte originário se harmoniza com a criação do Estado Democrático de Direito, pois permite a sua concentração no desenvolvimento de políticas públicas voltadas à realização de suas finalidades maiores, sendo a principal delas justamente a concretização dos direitos fundamentais do homem.

Assim, salvo nas hipóteses excepcionais (quando necessárias aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo) previstas no próprio texto constitucional, não compete ao Estado a exploração da atividade econômica. Cabe à iniciativa privada estruturar e desenvolver o exercício de tal atividade, de acordo com os princípios da ordem econômica.

Este relevante papel destinado à iniciativa privada orienta a reflexão sobre a necessidade de superação do paradigma mencionado acima, com seus impactos nas mudanças nos referenciais corporativos, e também sobre o papel do Direito nesta nova ordem.

Se o Estado não exerce atividade econômica, não tem capacidade de produção de riqueza. Incapaz de produzir a riqueza de que necessita absolutamente, compete-lhe ordenar a atividade econômica e proteger os únicos capazes de realizá-la (para o bem comum): os empreendedores.

Mas será que a realidade prática tem-se mantido alinhada às diretrizes constitucionais e assim se revestido como forma de proporcionar eficiência e racionalidade ao exercício da atividade econômica no Brasil?

2 – Cidadania Corporativa

O conceito de cidadania sempre esteve diretamente ligado ao indivíduo. No passado, o termo era mantido acorrentado a uma visão muito restrita, relacionada apenas aos direitos políticos. Na contemporaneidade, a sua interpretação é muito mais abrangente e aponta para um conjunto de direitos e deveres fundamentais, pressupostos básicos da vida em sociedade.

Portanto, a nova ordem constitucional reservou à iniciativa privada um papel transformador do ambiente social, que transcende os seus aspectos meramente econômicos.

Desde então, a atividade econômica organizada pela iniciativa privada está sujeita à observância e ao desempenho de uma função social, visto que, no Estado Democrático de Direito, as atividades, quaisquer que sejam as suas naturezas, não podem ser consideradas como um fim em si mesmo. Muito pelo contrário, elas são um meio de promover o bem-estar social, um meio de fazer bem ao homem, epicentro de todo o ordenamento jurídico. E, se é assim, devemos rever o conceito de cidadania, adequando-o a esta nova realidade, no sentido de estendê-lo para além do indivíduo, de maneira a também englobar os novos atores da ordem social, incumbidos do exercício da atividade econômica.

Segundo o sistema vigente, a atividade econômica pode ser exercida por pessoa natural, na qualidade de empresário individual, ou de forma associada, quando pessoas se unem para a constituição das sociedades, que se revestem de personalidade jurídica, o que lhe permite exercer direitos e contrair obrigações em nome próprio.

De uma maneira ou de outra, normalmente se desenvolve um conjunto sistemático de atividades para a produção de bens ou serviços, com a finalidade de lucro.

Com base no princípio da liberdade de iniciativa, a estruturação e conseqüente desenvolvimento das atividades poderia seguir, em tese, qualquer caminho não contrário à lei, voltado particularmente para a satisfação dos interesses dos que as exercem.

Renato Amoedo Nadier Rodrigues aponta que “...durante muito tempo, considerou-se que os interesses que transitavam as relações societárias empresariais eram de natureza estritamente individual e particular...”. Mas, segundo adverte o próprio autor, “... após a superação da concepção do exclusivo privatista, passou-se a entender que as sociedades reuniam interesses das partes integrantes e o interesse da própria sociedade, como na concepção institucionalista publicista com a preocupação com noções como interesse público e função social” (in Direito dos Acionistas Minoritários, Editora Lawbook, São Paulo, 2009).

Portanto, a evolução na concepção acerca da natureza destes interesses impõe uma nova interpretação da liberdade de iniciativa, mais ajustada aos valores da ordem constitucional vigente e aos relevantes papéis traçados para aqueles que exercem atividade econômica.

Isto significa que a liberdade em questão não é irrestrita ou absoluta. Muito pelo contrário, existem princípios, regras e valores que a mitigam e devem nortear o seu desempenho, de forma a adequá-lo aos ditames do ordenamento jurídico e aos anseios sociais.

Logicamente, devido ao seu maior vulto, as corporações (sociedades - pessoas jurídicas constituídas por duas ou mais pessoas para o exercício de atividade econômica) são as figuras centrais no desempenho da atividade econômica na nova concepção de Estado. Portanto, delas se deve exigir um compromisso maior e permanente no sentido da observância e realização de sua função social.

Portanto, as corporações, por desempenharem atividades que traduzem um caráter social, devem exercê-las de acordo com uma postura voltada para a transparência, incluindo a prestação de contas e comunicação de atos ou fatos relevantes ao mercado, manutenção de elevados padrões éticos na condução de seus negócios, boas práticas de governança, boa gestão de seus recursos humanos, consagração de práticas equitativas, responsabilidade social e sustentabilidade empresarial, ou seja, ações capazes de beneficiar toda a coletividade.

Tais comportamentos se revelam como formas de adequação aos novos papéis corporativos, que poderão desaguar na consolidação do modelo de CIDADANIA CORPORATIVA em nosso país.

Estamos, portanto, diante de uma possibilidade, não de uma certeza. Isto porque, o êxito na consolidação deste modelo passa pela necessidade de reformulação no tratamento legislativo e judicial dispensado ao empreendedor brasileiro, que, nos dias atuais, parece sujeito apenas a um conjunto de deveres, alijado em seus direitos.

É imperiosa a conscientização de que as corporações, como os indivíduos, também demandam uma proteção por parte do Direito, sem a qual não lhes restarão condições de realizar a sua função social.

Deste modo, há uma urgente necessidade de criação de um modelo capaz de maximizar a compatibilização entre os interesses dos que exercem a atividade econômica e os interesses da própria coletividade. E a criação desse modelo não pode prescindir de uma análise mais abrangente do atual cenário.

3 – Análise Econômica do Direito

Na condição de pressuposto necessário para a elevação do Brasil a uma posição de destaque mundial, em se tratando de desenvolvimento econômico-social, o exame da nova realidade (onde surgem novos atores responsáveis pela transformação social) não pode estar dissociada de uma análise dos aspectos econômicos do Direito.

A análise do Direito de acordo com uma perspectiva econômica tem sido objeto de estudos em diversos países, onde se rejeita a visão do Direito apenas como conjunto de normas, isto é, como disciplina autônoma em relação à realidade social e às demais ciências sociais.

Com base neste raciocínio, procede-se uma integração entre as ciências jurídica e econômica, que vai resultar numa visão interdisciplinar, por meio da qual se estuda a realidade jurídica inserida num contexto muito mais amplo.

As organizações são unidades de produção, que geram riqueza na forma de empregos para a população e receita tributária para o Estado.

Acontece que, no Brasil, não temos um ambiente jurídico-econômico que sirva de estímulo ao empreendedorismo, o que prejudica sensivelmente o desenvolvimento social. O Direito não cria o ambiente necessário de segurança para o exercício das atividades, muitas vezes impondo riscos pessoais indesejáveis aos empreendedores.

De um lado, temos uma legislação repleta de normas pouco apropriadas, que injustificadamente não reduzem os riscos e os custos para a implantação e o desenvolvimento de projetos empresariais. De outro, decisões judiciais que desvirtuam o verdadeiro sentido da função social do Direito.

Portanto, diversos são os fatores que servem de desestímulo ao empreendedorismo no Brasil. Entre outros exemplos, podemos citar:

a) a não limitação da responsabilidade pessoal dos empresários individuais (Na evolução do direito societário, o próprio mercado passou a clamar por formas de limitação da responsabilidade do empreendedor. Nove entre dez autores apontam o instituto da limitação da responsabilidade como fator preponderante e fundamental para o incremento e desenvolvimento da economia, em função da separação entre o patrimônio do empresário e o patrimônio da atividade por ele organizada. Ainda assim, no Brasil, a lei estende ao patrimônio pessoal do empresário individual a responsabilidade por eventual fracasso no desempenho de suas atividades, quando o ideal seria que o empresário afetasse determinados bens para a exploração da atividade e que esses formassem um patrimônio separado do seu. E esse patrimônio separado responderia pelas obrigações contraídas para o desempenho da atividade, ficando os eventuais efeitos do insucesso limitados a este montante, excluídos, por óbvio, os casos de fraude e abuso de direito).

b) o desvirtuamento do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (A partir de uma visão totalmente equivocada dos motivos que levaram à criação do instituto, inúmeros magistrados o utilizam de maneira pouco técnica, como se regra fosse, quando o seu uso deveria se restringir a hipóteses excepcionais, após comprovadas a fraude e o abuso de direito . O afastamento indevido da personalidade jurídica das sociedades afeta muitas vezes o próprio funcionamento da organização. Pior, aplica-se o instituto mesmo sem ser levada em consideração a regra da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios em relação à sociedade. Em outras palavras, são atacados os bens particulares dos sócios antes mesmo de se comprovar a inexistência de bens da própria sociedade).

c) o NCC, nos Arts. 986 e 990, ao disciplinar a sociedade em comum, estabelece que enquanto não inscritos os atos constitutivos da sociedade, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (Portanto, impõe aos sócios uma sanção civil das mais graves - responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais - para a hipótese de não inscrição dos atos constitutivos. Ocorre que, ao contrário do Código Civil Italiano, o CC/02 não enumerou ou exemplificou as atividades que caracterizariam o exercício da empresa, limitando-se a conceituá-la como atividade econômica organizada. Nesse sentido, a organização da atividade assumiu papel de destaque na identificação da natureza das sociedades, bem como para a verificação do órgão de registro adequado para a inscrição de seus atos constitutivos. Mas a falta de critérios objetivos para a caracterização de uma atividade como “de empresa”, resulta na necessidade de, no caso concreto, se realizar um raciocínio dinâmico sobre a existência ou não de uma estrutura empresarial. Entretanto, a distinção entre as atividades objeto das sociedades simples e empresárias apresenta-se, em diversas situações, como muito tênue. Criou-se, na verdade, uma zona cinzenta que resulta em grande risco para o intérprete, devido à mencionada dificuldade para enquadramento no conceito geral e conseqüente classificação. Portanto, não se afigura como razoável a imputação de sanção tão grave aos sócios para eventual hipótese de inscrição perante órgão inadequado, como impõe a lei).

d) Risco na interpretação dos Artigos 1.007 e 1.008 do NCC (O artigo 1.007 estabelece que, “salvo estipulação em contrário, o sócios participam dos lucros e das perdas...”. Portanto, infere-se de sua leitura a possibilidade de estipulação em contrário. Por outro lado, o artigo 1.008 declara como “nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas”, o que demonstra aparente conflito entre os dispositivos).

e) o alto custo do capital (Os empreendedores financiam as suas atividades através de fontes de capital próprio ou de terceiros. No Brasil, a aquisição do capital de terceiros via instituições financeiras privadas ou entes públicos de fomento apresenta ainda burocracia excessiva e um custo muito elevado, decorrente das altas taxas de juros praticadas na economia. Isso praticamente inviabiliza as políticas de investimento e modernização, especialmente para as sociedades limitadas e companhias de capital fechado, que não podem obter recursos junto ao mercado de capitais).

f) a alta carga tributária e a complexidade do sistema (A carga tributária atual se aproxima dos 40% do PIB. Além disto, temos um dos mais complexos sistemas tributários do mundo, com muitos tributos incidindo sobre a mesma base. Como se não bastasse, além da obrigação principal de pagar os tributos, a lei cria e impõe ainda uma série de outras obrigações secundárias, que contribuem para o aumento considerável dos gastos dos empreendedores para o seu cumprimento. Nesse ponto, segundo estudos do Banco Mundial, o Brasil alcança o posto de “campeão mundial em tempo gasto para o cumprimento das obrigações tributárias”. Isto sem falar no peso da tributação sobre a folha salarial, que representa para o empregador um custo de aproximadamente 100% sobre o salário de cada empregado).

A soma desses fatores cria um cenário extremamente nebuloso, um verdadeiro campo minado para o empreendedor, o que prejudica a competitividade, estimula a informalidade, acarreta perda de eficiência econômica e se traduz em impacto muito negativo no potencial de crescimento do país.

4 – Conclusão

É equivoco pensarmos na possibilidade de aceleração do crescimento e do conseqüente desenvolvimento sem a consolidação de um modelo de estímulo ao empreendedorismo.

Não basta exigirmos das corporações uma mudança de comportamento organizacional, um conjunto de obrigações legais e morais que as leve a assumir um compromisso com o desempenho de sua função social, se não criamos um ambiente de proteção para aqueles que exercem a atividade econômica, um conjunto de direitos que sejam respeitados e aplicados por todos, especialmente pelo Poder Público.

A atividade econômica é uma das principais forças motrizes de transformação da sociedade. Mas essa transformação é fruto do crescimento econômico, que por sua vez vai desaguar no desenvolvimento social. Portanto, se não crescemos (ou crescemos pouco, ou muito menos do que poderíamos) no campo econômico, também não nos desenvolvemos no social.

O mecanismo tradicional de medir o crescimento econômico de um País é o cálculo da variação do seu PIB (Produto Interno Bruto = soma de todos os bens e serviços finais produzidos durante um período determinado de tempo). Nos últimos 25 anos, o PIB do Brasil cresceu consideravelmente menos do que o dos outros países emergentes. Ficamos atrás de China, Cingapura, Coréia do Sul, Malásia, Tailândia, Índia, Chile, Turquia e México.

Por razões óbvias, não nos atreveremos aqui a afirmar que os pontos por nós destacados se constituem como fator único e determinante deste resultado. Por outro lado, não podemos deixar de consignar que eles se constituem como alguns de seus elementos condicionantes, aliados a tantos outros.

Não custa registrar que, num ambiente de insegurança em que proliferam normas inapropriadas e medidas judiciais inoportunas e desproporcionais, os agentes econômicos se retraem e desenvolvem menos projetos, realizam menos negócios, investem menos, contratam menos, o que forma um ciclo vicioso que tem como resultado a redução do potencial de crescimento do país.

Nesse contexto, entendemos ser indispensável a análise dos aspectos econômicos do Direito, para o aperfeiçoamento do sistema legal brasileiro, uma vez que, partindo de uma visão interdisciplinar entre a ciência jurídica e a ciência econômica, é possível estabelecermos um conjunto de regras simultaneamente racionais, eficazes e eficientes, que possam produzir melhores efeitos e atingir melhores resultados.

Temos diante de nós um grande desafio, que exige um compromisso com a racionalidade e com a coerência: deixar de lado uma visão fragmentada, que acorrenta o Direito em torno de si próprio, em privilégio de um novo pensamento integral e sistêmico, ou seja, uma visão interdisciplinar entre o Direito e a Economia.

Somente assim seremos capazes de pensar e implantar um sistema jurídico comprometido com a efetividade de suas normas. Um sistema que sirva de incentivo e estímulo aos agentes econômicos, que não oponha barreiras injustificadas e assim proporcione um aumento de sua eficiência, que se refletirá na aceleração do crescimento, condição sine qua non para que alcancemos o ideal de justiça e igualdade em nosso País.
OS MECANISMOS DE TAG ALONG E DRAG ALONG E A POSSIBILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO NAS SOCIEDADES LIMITADAS.

Autor: Vinicius Figueiredo Chaves. Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio, com extensões em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais. Formado pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador da pós-graduação em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, na área de Direito Societário. Cursou o Programa de Treinamento TOP VI (extensão em Mercado de Capitais), de iniciativa da BM&F BOVESPA e CVM. Professor Convidado do MBA Executivo da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá.

Sumário: 1. Introdução, 2. Tag along, 3. Drag Along, 4. Tag Along, Drag Along e Sociedade Limitada, 5. Conclusão

1. Introdução

Nos últimos anos tornou-se freqüente a menção a alguns “novos” institutos jurídico-econômicos, tais como stock options, put and call rights, takeovers, poison pills, commercial paper, securities, ADR’S (american depository receipts), BDR’S (brasilian depository receipts), além de outros mecanismos como tag along e drag along.

Muitos desses institutos não são tão novos assim. Outros o são apenas em termos de Brasil. Na verdade, eles têm origem no exterior, sendo o seu berço maior os Estados Unidos, país em que mais acentuadamente se tem desenvolvido o direito societário e o mercado de capitais, e onde há anos são de corriqueira utilização.

Por sua especificidade e complexidade, são instrumentos ainda pouco conhecidos pela grande maioria dos operadores do direito, o que restringe a sua utilização praticamente aos especialistas em direito societário.

Justificam-se, portanto, todos os esforços e reflexões para a melhor compreensão de suas estruturas e alcance, como pressupostos imprescindíveis ao fomento de sua utilização em maior escala, de forma a possibilitar o melhor desempenho de todas as suas potencialidades e, assim, conquistar padrões superiores de desenvolvimento para o direito brasileiro.

Com este breve estudo sobre tag along e drag along, pretendemos concluir pela ampla possibilidade de sua utilização pelas sociedades limitadas, com importantes ganhos de toda ordem.

O tag along e o drag along são mecanismos utilizados nas operações que envolvem a alienação de participação societária, especialmente nas ofertas de aquisição de controle, ou seja, a aquisição de ações com direito a voto, em quantidade suficiente para assegurar o exercício do controle das sociedades anônimas de capital aberto. Na verdade, ambos são instrumentos de proteção, ainda que o centro de interesses tutelados por eles sejam opostos.

2. Tag along

Segundo o Art. 254-A da Lei 6.404/76, a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

O tag along é um mecanismo de proteção dos acionistas minoritários de uma companhia. Obriga o acionista controlador a somente alienar suas ações para os interessados que se disponham a também adquirir as ações de titularidade dos minoritários, por preço idêntico ou percentual previamente fixado sobre o preço oferecido pelas suas ações. Consiste em uma espécie de direito de adesão dos minoritários à venda do controle societário, de forma que a estes também se estendam as vantagens do negócio. Assim, a oferta não poderá se limitar às ações que, por si só, possibilitem a assunção do controle da companhia. O interessado na aquisição estará obrigado a estendê-la também aos minoritários.

3. Drag Along

Como reverso da moeda, o drag along destina-se não à proteção dos interesses dos minoritários, mas justamente do interesse do próprio controlador, nos casos em que eventuais compradores, não simpatizantes em manter minoritários na sociedade que almejam controlar, pretenderem adquirir a totalidade das ações da companhia.

O drag along, também conhecido como direito de arraste, confere ao controlador o direito de exigir que os demais acionistas alienem as suas ações ao proponente, isto é, obriga os minoritários a venderem as suas ações em conjunto com as do controlador, por preço idêntico ou percentual sobre o preço oferecido pelo proponente da oferta ao controlador.

A existência deste mecanismo amplia o número de eventuais interessados na aquisição da sociedade que o utiliza, já que constitui dispositivo fundamental para aqueles investidores que não desejam conviver com minoritários. Assim, torna mais atrativa a companhia-objeto de aquisição do controle, do ponto de vista da redução dos conflitos internos de poder que normalmente ocorrem entre controladores e minoritários.

4. Tag Along, Drag Along e Sociedade Limitada

A grande questão que se apresenta é: os mecanismos do tag along e drag along podem ser utilizados nas sociedades limitadas?

A sociedade limitada é um dos principais alicerces do processo de desenvolvimento econômico nacional. Qualquer consulta aos dados estatísticos comparativos das juntas comerciais demonstrará ser este o tipo societário do qual se reveste a imensa maioria das sociedades no Brasil.

Por outro lado, sempre possuiu um papel secundário no que diz respeito aos negócios de grande vulto. Em outras palavras, era vista como apropriada para estruturar apenas os pequenos negócios, isto é, aqueles que não demandassem grandes articulações e estruturas societárias.

Contudo, parece-nos que o Código Civil/02, ao positivar normas que viabilizam a utilização, pelas sociedades limitadas, de institutos antes privativos das sociedades anônimas, e assim tornar possível a ampliação de seus horizontes jurídico-societários, serviu para mitigar esta idéia.

Doravante, o bom conhecimento da legislação, aliado a um bom planejamento e estruturação societários, pode estabelecer uma estrutura jurídica capaz de tornar uma sociedade limitada atrativa, inclusive, como forma de investimento. Neste ponto, estruturá-la de maneira a conferir um grau maior de liquidez às suas quotas é fator fundamental, pois facilita a realização de operações de alienação de participação societária.

O Art. 1.057 do Código Civil, ao tratar da cessão de quotas das sociedades limitadas, estabelece que “na omissão do contrato, o sócio pode ceder a sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social”.

Assim, é possível concluir que a cessão ou promessa de cessão de quotas é cláusula que pode ser livremente convencionada entre os sócios, de acordo com as suas conveniências e interesses, no contrato social ou em eventual acordo de sócios, arquivado na sede da sociedade. Isto porque as condições previstas no caput do Art. 1.057 são exigidas se e somente se omisso for o contrato. Portanto, é permitida a cessão de quotas até mesmo a estranhos.

As cláusulas de tag along ou drag along, neste ponto, constituiriam nada menos do que um regime especial eleito pelos sócios para o processamento futuro da cessão de quotas da sociedade, quando de eventual operação de alienação de participação societária, já que, como vimos, a lei passou a admitir livremente a cessão destas.

O Código Civil não prevê expressamente e muito menos regulamenta os mecanismos em questão, dirão alguns, negando a possibilidade da sua utilização no âmbito das sociedades limitadas. Esquecem, todavia, que a estrutura do direito comercial, hoje direito empresarial, foi construída tendo como base o Princípio da Liberdade, que sempre permitiu fazer tudo aquilo que não encontra vedação ou incompatibilidade na lei.

Portanto, com a finalidade de admitir o uso dos referidos institutos no ambiente das sociedades limitadas, buscamos socorro nas regras de hermenêutica e integração do ordenamento jurídico.

A sociedade limitada é regulada pelas normas constantes dos Artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil, que realmente não prevêem expressamente os mecanismos objeto do presente estudo. Por outro lado, estabelecem a possibilidade da utilização do instituto da regência supletiva, que remeterá o intérprete a dois diferentes conjuntos de normas legais, que complementarão as que lhe são próprias.

Do Art. 1.053, caput e parágrafo único, conclui-se que a sociedade limitada poderá ser regida supletivamente pelas normas relativas às sociedades simples ou, ainda, pelas normas da sociedade anônima, dependendo, nesta última hipótese, de disposição contratual expressa neste sentido.

Por isso, na hipótese de uma sociedade limitada em que contrato social tenha apontado a Lei 6.404/76 (LSA) como norma de regência supletiva, as lacunas e omissões do Código Civil poderão ser supridas pelos dispositivos constantes da LSA. Desta maneira, parece-nos clara a possibilidade de previsão das cláusulas de tag along ou drag along, seja no contrato social, seja em acordo de sócios, em virtude da similaridade das hipóteses, além da compatibilidade e cabimento dos institutos em estudo com a estrutura das sociedades limitadas.

Caso a sociedade seja regida supletivamente pelas normas das sociedades simples, ainda assim, entendemos ser possível a previsão de tais institutos, seja no contrato social, seja em acordo de sócios, desta vez com fundamento jurídico na analogia (Lei de Introdução ao Código Civil). Ante a ausência de conteúdo normativo nas disposições do Código Civil, aplicaríamos o conteúdo normativo presente na Lei 6.404/76, que permitiria a transposição dos mecanismos, com as devidas adaptações, de maneira a adequá-los a esta forma societária.

5. Conclusão

Em ambos os casos delineados, conforme a hipótese e, caso a caso, dependendo da estrutura e da participação societária definida no contrato, bem como dos interesses em jogo, entendemos ser possível, e até mesmo conveniente, a utilização dos mecanismos do tag along e do drag along pelas sociedades limitadas, independente da norma de regência societária adotada.

Há que se privilegiar o princípio da liberdade de iniciativa, no sentido de permitir ao empreendedor estruturar e desenvolver as atividades econômicas visando a satisfação dos seus interesses, desde que utilizados mecanismos não contrários à lei e observada a sua função social.

Dita liberdade autoriza o estabelecimento de estruturas jurídicas capazes de tornar uma sociedade limitada atrativa, inclusive, como forma de investimento. Neste ponto, estruturá-la de maneira a conferir um grau maior de liquidez às suas quotas é fator fundamental, pois facilita a realização de operações de alienação de participação societária.


Sem dúvida, a utilização de tais mecanismos se apresenta como uma das soluções para dar novos contornos à estrutura das sociedades limitadas no Brasil, por criar um ambiente societário onde é possível aos investidores entrar e sair da sociedade de forma célere, através de negociações envolvendo a compra ou venda de participação no capital social.