quarta-feira, 22 de julho de 2009

REFLEXÕES SOBRE A CIDADANIA CORPORATIVA E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO.

Autor: Vinicius Figueiredo Chaves. Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio, com extensões em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais. Pesquisador da pós-graduação em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, na área de Direito Societário. Formado pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Cursou o Programa Top VI (Formação de Professores), em Mercado de Capitais, da Bm&f Bovespa e Comissão de Valores Mobiliários. Professor Convidado do MBA Executivo da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Cidadania Corporativa. 3. Análise Econômica do Direito. 4. Conclusão.

1. Introdução

A construção de uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, que valorize a condição humana e assegure ao homem uma existência digna, que lhe permita o pleno exercício dos direitos individuais e sociais, passa pela necessidade da superação do paradigma até então existente, de que a responsabilidade social caberia exclusivamente ao Estado.

A Constituição de 1988 lançou a pedra fundamental neste sentido, ao inaugurar o Estado Gerencial Brasileiro. Essa nova concepção deixa a exploração da atividade econômica à cargo da iniciativa privada, cabendo ao Estado atuar como seu agente normativo e regulador, além de exercer as funções de fiscalização e fomento.

A opção do constituinte originário se harmoniza com a criação do Estado Democrático de Direito, pois permite a sua concentração no desenvolvimento de políticas públicas voltadas à realização de suas finalidades maiores, sendo a principal delas justamente a concretização dos direitos fundamentais do homem.

Assim, salvo nas hipóteses excepcionais (quando necessárias aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo) previstas no próprio texto constitucional, não compete ao Estado a exploração da atividade econômica. Cabe à iniciativa privada estruturar e desenvolver o exercício de tal atividade, de acordo com os princípios da ordem econômica.

Este relevante papel destinado à iniciativa privada orienta a reflexão sobre a necessidade de superação do paradigma mencionado acima, com seus impactos nas mudanças nos referenciais corporativos, e também sobre o papel do Direito nesta nova ordem.

Se o Estado não exerce atividade econômica, não tem capacidade de produção de riqueza. Incapaz de produzir a riqueza de que necessita absolutamente, compete-lhe ordenar a atividade econômica e proteger os únicos capazes de realizá-la (para o bem comum): os empreendedores.

Mas será que a realidade prática tem-se mantido alinhada às diretrizes constitucionais e assim se revestido como forma de proporcionar eficiência e racionalidade ao exercício da atividade econômica no Brasil?

2 – Cidadania Corporativa

O conceito de cidadania sempre esteve diretamente ligado ao indivíduo. No passado, o termo era mantido acorrentado a uma visão muito restrita, relacionada apenas aos direitos políticos. Na contemporaneidade, a sua interpretação é muito mais abrangente e aponta para um conjunto de direitos e deveres fundamentais, pressupostos básicos da vida em sociedade.

Portanto, a nova ordem constitucional reservou à iniciativa privada um papel transformador do ambiente social, que transcende os seus aspectos meramente econômicos.

Desde então, a atividade econômica organizada pela iniciativa privada está sujeita à observância e ao desempenho de uma função social, visto que, no Estado Democrático de Direito, as atividades, quaisquer que sejam as suas naturezas, não podem ser consideradas como um fim em si mesmo. Muito pelo contrário, elas são um meio de promover o bem-estar social, um meio de fazer bem ao homem, epicentro de todo o ordenamento jurídico. E, se é assim, devemos rever o conceito de cidadania, adequando-o a esta nova realidade, no sentido de estendê-lo para além do indivíduo, de maneira a também englobar os novos atores da ordem social, incumbidos do exercício da atividade econômica.

Segundo o sistema vigente, a atividade econômica pode ser exercida por pessoa natural, na qualidade de empresário individual, ou de forma associada, quando pessoas se unem para a constituição das sociedades, que se revestem de personalidade jurídica, o que lhe permite exercer direitos e contrair obrigações em nome próprio.

De uma maneira ou de outra, normalmente se desenvolve um conjunto sistemático de atividades para a produção de bens ou serviços, com a finalidade de lucro.

Com base no princípio da liberdade de iniciativa, a estruturação e conseqüente desenvolvimento das atividades poderia seguir, em tese, qualquer caminho não contrário à lei, voltado particularmente para a satisfação dos interesses dos que as exercem.

Renato Amoedo Nadier Rodrigues aponta que “...durante muito tempo, considerou-se que os interesses que transitavam as relações societárias empresariais eram de natureza estritamente individual e particular...”. Mas, segundo adverte o próprio autor, “... após a superação da concepção do exclusivo privatista, passou-se a entender que as sociedades reuniam interesses das partes integrantes e o interesse da própria sociedade, como na concepção institucionalista publicista com a preocupação com noções como interesse público e função social” (in Direito dos Acionistas Minoritários, Editora Lawbook, São Paulo, 2009).

Portanto, a evolução na concepção acerca da natureza destes interesses impõe uma nova interpretação da liberdade de iniciativa, mais ajustada aos valores da ordem constitucional vigente e aos relevantes papéis traçados para aqueles que exercem atividade econômica.

Isto significa que a liberdade em questão não é irrestrita ou absoluta. Muito pelo contrário, existem princípios, regras e valores que a mitigam e devem nortear o seu desempenho, de forma a adequá-lo aos ditames do ordenamento jurídico e aos anseios sociais.

Logicamente, devido ao seu maior vulto, as corporações (sociedades - pessoas jurídicas constituídas por duas ou mais pessoas para o exercício de atividade econômica) são as figuras centrais no desempenho da atividade econômica na nova concepção de Estado. Portanto, delas se deve exigir um compromisso maior e permanente no sentido da observância e realização de sua função social.

Portanto, as corporações, por desempenharem atividades que traduzem um caráter social, devem exercê-las de acordo com uma postura voltada para a transparência, incluindo a prestação de contas e comunicação de atos ou fatos relevantes ao mercado, manutenção de elevados padrões éticos na condução de seus negócios, boas práticas de governança, boa gestão de seus recursos humanos, consagração de práticas equitativas, responsabilidade social e sustentabilidade empresarial, ou seja, ações capazes de beneficiar toda a coletividade.

Tais comportamentos se revelam como formas de adequação aos novos papéis corporativos, que poderão desaguar na consolidação do modelo de CIDADANIA CORPORATIVA em nosso país.

Estamos, portanto, diante de uma possibilidade, não de uma certeza. Isto porque, o êxito na consolidação deste modelo passa pela necessidade de reformulação no tratamento legislativo e judicial dispensado ao empreendedor brasileiro, que, nos dias atuais, parece sujeito apenas a um conjunto de deveres, alijado em seus direitos.

É imperiosa a conscientização de que as corporações, como os indivíduos, também demandam uma proteção por parte do Direito, sem a qual não lhes restarão condições de realizar a sua função social.

Deste modo, há uma urgente necessidade de criação de um modelo capaz de maximizar a compatibilização entre os interesses dos que exercem a atividade econômica e os interesses da própria coletividade. E a criação desse modelo não pode prescindir de uma análise mais abrangente do atual cenário.

3 – Análise Econômica do Direito

Na condição de pressuposto necessário para a elevação do Brasil a uma posição de destaque mundial, em se tratando de desenvolvimento econômico-social, o exame da nova realidade (onde surgem novos atores responsáveis pela transformação social) não pode estar dissociada de uma análise dos aspectos econômicos do Direito.

A análise do Direito de acordo com uma perspectiva econômica tem sido objeto de estudos em diversos países, onde se rejeita a visão do Direito apenas como conjunto de normas, isto é, como disciplina autônoma em relação à realidade social e às demais ciências sociais.

Com base neste raciocínio, procede-se uma integração entre as ciências jurídica e econômica, que vai resultar numa visão interdisciplinar, por meio da qual se estuda a realidade jurídica inserida num contexto muito mais amplo.

As organizações são unidades de produção, que geram riqueza na forma de empregos para a população e receita tributária para o Estado.

Acontece que, no Brasil, não temos um ambiente jurídico-econômico que sirva de estímulo ao empreendedorismo, o que prejudica sensivelmente o desenvolvimento social. O Direito não cria o ambiente necessário de segurança para o exercício das atividades, muitas vezes impondo riscos pessoais indesejáveis aos empreendedores.

De um lado, temos uma legislação repleta de normas pouco apropriadas, que injustificadamente não reduzem os riscos e os custos para a implantação e o desenvolvimento de projetos empresariais. De outro, decisões judiciais que desvirtuam o verdadeiro sentido da função social do Direito.

Portanto, diversos são os fatores que servem de desestímulo ao empreendedorismo no Brasil. Entre outros exemplos, podemos citar:

a) a não limitação da responsabilidade pessoal dos empresários individuais (Na evolução do direito societário, o próprio mercado passou a clamar por formas de limitação da responsabilidade do empreendedor. Nove entre dez autores apontam o instituto da limitação da responsabilidade como fator preponderante e fundamental para o incremento e desenvolvimento da economia, em função da separação entre o patrimônio do empresário e o patrimônio da atividade por ele organizada. Ainda assim, no Brasil, a lei estende ao patrimônio pessoal do empresário individual a responsabilidade por eventual fracasso no desempenho de suas atividades, quando o ideal seria que o empresário afetasse determinados bens para a exploração da atividade e que esses formassem um patrimônio separado do seu. E esse patrimônio separado responderia pelas obrigações contraídas para o desempenho da atividade, ficando os eventuais efeitos do insucesso limitados a este montante, excluídos, por óbvio, os casos de fraude e abuso de direito).

b) o desvirtuamento do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (A partir de uma visão totalmente equivocada dos motivos que levaram à criação do instituto, inúmeros magistrados o utilizam de maneira pouco técnica, como se regra fosse, quando o seu uso deveria se restringir a hipóteses excepcionais, após comprovadas a fraude e o abuso de direito . O afastamento indevido da personalidade jurídica das sociedades afeta muitas vezes o próprio funcionamento da organização. Pior, aplica-se o instituto mesmo sem ser levada em consideração a regra da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios em relação à sociedade. Em outras palavras, são atacados os bens particulares dos sócios antes mesmo de se comprovar a inexistência de bens da própria sociedade).

c) o NCC, nos Arts. 986 e 990, ao disciplinar a sociedade em comum, estabelece que enquanto não inscritos os atos constitutivos da sociedade, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (Portanto, impõe aos sócios uma sanção civil das mais graves - responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais - para a hipótese de não inscrição dos atos constitutivos. Ocorre que, ao contrário do Código Civil Italiano, o CC/02 não enumerou ou exemplificou as atividades que caracterizariam o exercício da empresa, limitando-se a conceituá-la como atividade econômica organizada. Nesse sentido, a organização da atividade assumiu papel de destaque na identificação da natureza das sociedades, bem como para a verificação do órgão de registro adequado para a inscrição de seus atos constitutivos. Mas a falta de critérios objetivos para a caracterização de uma atividade como “de empresa”, resulta na necessidade de, no caso concreto, se realizar um raciocínio dinâmico sobre a existência ou não de uma estrutura empresarial. Entretanto, a distinção entre as atividades objeto das sociedades simples e empresárias apresenta-se, em diversas situações, como muito tênue. Criou-se, na verdade, uma zona cinzenta que resulta em grande risco para o intérprete, devido à mencionada dificuldade para enquadramento no conceito geral e conseqüente classificação. Portanto, não se afigura como razoável a imputação de sanção tão grave aos sócios para eventual hipótese de inscrição perante órgão inadequado, como impõe a lei).

d) Risco na interpretação dos Artigos 1.007 e 1.008 do NCC (O artigo 1.007 estabelece que, “salvo estipulação em contrário, o sócios participam dos lucros e das perdas...”. Portanto, infere-se de sua leitura a possibilidade de estipulação em contrário. Por outro lado, o artigo 1.008 declara como “nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas”, o que demonstra aparente conflito entre os dispositivos).

e) o alto custo do capital (Os empreendedores financiam as suas atividades através de fontes de capital próprio ou de terceiros. No Brasil, a aquisição do capital de terceiros via instituições financeiras privadas ou entes públicos de fomento apresenta ainda burocracia excessiva e um custo muito elevado, decorrente das altas taxas de juros praticadas na economia. Isso praticamente inviabiliza as políticas de investimento e modernização, especialmente para as sociedades limitadas e companhias de capital fechado, que não podem obter recursos junto ao mercado de capitais).

f) a alta carga tributária e a complexidade do sistema (A carga tributária atual se aproxima dos 40% do PIB. Além disto, temos um dos mais complexos sistemas tributários do mundo, com muitos tributos incidindo sobre a mesma base. Como se não bastasse, além da obrigação principal de pagar os tributos, a lei cria e impõe ainda uma série de outras obrigações secundárias, que contribuem para o aumento considerável dos gastos dos empreendedores para o seu cumprimento. Nesse ponto, segundo estudos do Banco Mundial, o Brasil alcança o posto de “campeão mundial em tempo gasto para o cumprimento das obrigações tributárias”. Isto sem falar no peso da tributação sobre a folha salarial, que representa para o empregador um custo de aproximadamente 100% sobre o salário de cada empregado).

A soma desses fatores cria um cenário extremamente nebuloso, um verdadeiro campo minado para o empreendedor, o que prejudica a competitividade, estimula a informalidade, acarreta perda de eficiência econômica e se traduz em impacto muito negativo no potencial de crescimento do país.

4 – Conclusão

É equivoco pensarmos na possibilidade de aceleração do crescimento e do conseqüente desenvolvimento sem a consolidação de um modelo de estímulo ao empreendedorismo.

Não basta exigirmos das corporações uma mudança de comportamento organizacional, um conjunto de obrigações legais e morais que as leve a assumir um compromisso com o desempenho de sua função social, se não criamos um ambiente de proteção para aqueles que exercem a atividade econômica, um conjunto de direitos que sejam respeitados e aplicados por todos, especialmente pelo Poder Público.

A atividade econômica é uma das principais forças motrizes de transformação da sociedade. Mas essa transformação é fruto do crescimento econômico, que por sua vez vai desaguar no desenvolvimento social. Portanto, se não crescemos (ou crescemos pouco, ou muito menos do que poderíamos) no campo econômico, também não nos desenvolvemos no social.

O mecanismo tradicional de medir o crescimento econômico de um País é o cálculo da variação do seu PIB (Produto Interno Bruto = soma de todos os bens e serviços finais produzidos durante um período determinado de tempo). Nos últimos 25 anos, o PIB do Brasil cresceu consideravelmente menos do que o dos outros países emergentes. Ficamos atrás de China, Cingapura, Coréia do Sul, Malásia, Tailândia, Índia, Chile, Turquia e México.

Por razões óbvias, não nos atreveremos aqui a afirmar que os pontos por nós destacados se constituem como fator único e determinante deste resultado. Por outro lado, não podemos deixar de consignar que eles se constituem como alguns de seus elementos condicionantes, aliados a tantos outros.

Não custa registrar que, num ambiente de insegurança em que proliferam normas inapropriadas e medidas judiciais inoportunas e desproporcionais, os agentes econômicos se retraem e desenvolvem menos projetos, realizam menos negócios, investem menos, contratam menos, o que forma um ciclo vicioso que tem como resultado a redução do potencial de crescimento do país.

Nesse contexto, entendemos ser indispensável a análise dos aspectos econômicos do Direito, para o aperfeiçoamento do sistema legal brasileiro, uma vez que, partindo de uma visão interdisciplinar entre a ciência jurídica e a ciência econômica, é possível estabelecermos um conjunto de regras simultaneamente racionais, eficazes e eficientes, que possam produzir melhores efeitos e atingir melhores resultados.

Temos diante de nós um grande desafio, que exige um compromisso com a racionalidade e com a coerência: deixar de lado uma visão fragmentada, que acorrenta o Direito em torno de si próprio, em privilégio de um novo pensamento integral e sistêmico, ou seja, uma visão interdisciplinar entre o Direito e a Economia.

Somente assim seremos capazes de pensar e implantar um sistema jurídico comprometido com a efetividade de suas normas. Um sistema que sirva de incentivo e estímulo aos agentes econômicos, que não oponha barreiras injustificadas e assim proporcione um aumento de sua eficiência, que se refletirá na aceleração do crescimento, condição sine qua non para que alcancemos o ideal de justiça e igualdade em nosso País.

Nenhum comentário:

Postar um comentário