quinta-feira, 23 de julho de 2009

ESTABELECIMENTO: O PRINCIPAL INSTRUMENTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Autor: Vinicius Figueiredo Chaves. Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio, com extensões em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais. Formado pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador da pós-graduação em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, na área de Direito Societário. Cursou o Programa de Treinamento TOP VI (extensão em Mercado de Capitais), de iniciativa da BM&F BOVESPA e CVM. Professor Convidado do MBA Executivo da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá.

SUMÁRIO: Estabelecimento Empresarial. Conceito e características. Elementos do estabelecimento. Trespasse do estabelecimento. Sucessão. Principal estabelecimento e sede. Penhor e desapropriação do estabelecimento

Estabelecimento Empresarial

Com base no princípio constitucional da liberdade de iniciativa, cabe ao particular a estruturação e o desenvolvimento da atividade econômica, para a satisfação dos seus interesses pessoais, mas sem deixar de observar a sua função social.

A organização dos fatores relacionados ao desempenho de cada atividade é de suma importância para o êxito dos projetos empresariais desenvolvidos pela iniciativa privada. Dentro deste contexto, o termo foi alçado a elemento central da Teoria da Empresa, adotada pelo Código Civil de 2002, com inspiração no modelo italiano.

A sua relevância é tal que se constitui como fator essencial à caracterização da figura do empresário e, por exclusão, do não-empresário, dois conceitos-chave na nova sistemática. Entretanto, apesar de se constituir como fator-chave à compreensão do novo modelo, o legislador não formulou um conceito para a expressão, deixando a tarefa a cargo do intérprete.

Seria possível elaborar uma série de conceitos na tentativa de bem definir o que vem a ser a organização. Mas, a partir da análise das normas do caput e do parágrafo único do artigo 966, não há como deixar de associar o vocábulo ao que a própria Lei denominou “elemento de empresa”.

O “elemento de empresa”, por sua vez, pode ser entendido como a organização da atividade a partir da criação, pelo empresário ou pela sociedade empresária, de uma estrutura empresarial adequada ao perfil da respectiva atividade econômica desempenhada, com vistas à obtenção de lucro.

A sociedade escolhe um ponto para estabelecer a atividade, realiza as devidas instalações, adquire máquinas, mercadorias, registra marcas, desenhos industriais, enfim, reúne e organiza um conjunto de bens destinados ao exercício da atividade descrita no seu objeto social. Portanto, a estruturação de um estabelecimento empresarial, também conhecido como fundo de empresa, fundo empresarial ou azienda (direito italiano), se apresenta como fator preponderante para a caracterização do elemento de empresa e decisivo para o êxito no desempenho da atividade.

Pelas razões delineadas nas linhas acima, o estabelecimento empresarial pode ser apontado como o mais relevante instrumento da atividade empresarial, demandando assim tutela específica por parte do Direito, com objetivo de regular as principais relações jurídicas que envolvem o tema.

Conceito e Características

Na condição de principal instrumento da atividade empresarial, nos é permitido chegar à seguinte conclusão, baseada na sistemática do Direito de Empresa: o empresário (empresário individual ou sociedade empresária) exerce a empresa (atividade econômica organizada) através do estabelecimento.

Inobstante a sua importância, a lei não confere personalidade jurídica ao estabelecimento. Isto significa que não estamos diante de sujeito, mas sim de objeto de direitos, o qual jamais poderá atuar na ordem jurídica. Em outras palavras, não poderá o estabelecimento ser parte de relações jurídicas, por não gozar da aptidão para exercer direitos e contrair obrigações.

O conceito legal de estabelecimento empresarial se encontra definido no artigo 1.142 do Código Civil de 2002.

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

O referido conceito foi inspirado naquele utilizado no Direito Italiano, berço da Teoria da Empresa, que define a azienda como “complesso dei Beni organizzati dall`imprenditore per l`esercizio dell`impresa”.

A doutrina acrescenta ainda alguns outros pontos, no sentido de completar o conceito legal, especificando a natureza dos bens que potencialmente poderão integrar um estabelecimento.

De acordo com Ricardo Fiúza, “o estabelecimento empresarial representa a forma pela qual o empresário ou a sociedade empresária reúne, organiza e explora seus recursos, incluindo os físicos, os humanos e os tecnológicos (bens corpóreos), assim como os bens incorpóreos, como marca, nome e patentes[1]”. Para Requião, o fundo empresarial “corresponde ao conjunto de elementos materiais e imateriais que não perdem sua individualidade, mas que, reunidos, constituem um novo bem com valor econômico próprio[2]”.

Como vimos, o estabelecimento tem especial importância para o exercício da atividade econômica, sendo merecedor de regramento jurídico específico e objeto de estudos em diversos países. Aliás, é notória a falta de consenso acerca de seu enquadramento jurídico.

À guisa de exemplo, podemos citar a questão da definição de sua natureza jurídica, tema sempre cercado das maiores controvérsias. Ao longo dos anos foram formuladas diversas teorias, tanto pela doutrina nacional quanto estrangeira, no sentido de tentar enquadrar o instituto em algum regramento jurídico.

Algumas teorias lhe imputam personalidade jurídica, outras o consideram como um patrimônio afetado. Há ainda aqueles que o consideram um bem imaterial pertencente à categoria dos bens móveis incorpóreos, ou uma universalidade de direito. Segundo Modesto Carvalhosa, “...somente se poderia reconhecer hipoteticamente ao estabelecimento a natureza de universitas juris se lhe fosse atribuído caráter de patrimônio separado, coexistindo com o patrimônio geral do empresário[3]” .

Mas no âmbito do Direito Brasileiro prevalece o entendimento de que se trata de uma universalidade de fato.

O artigo 90 do Código Civil conceitua a universalidade de fato como “a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”. Melhor explicando, trata-se da reunião de vários elementos individualmente considerados em torno de uma única destinação.

Esta reunião de uma pluralidade de bens singulares, destinados conjuntamente ao exercício de determinada atividade econômica, depende de um mínimo de organização, de forma a compatibilizar os fins a atingir e os meios a empregar, voltados para a maximização de lucros do empreendedor.

A referida estrutura, reunida e organizada da melhor maneira, forma um novo bem, dotado de valor econômico próprio, que integra o patrimônio do empresário ou da sociedade empresária. Assim, na qualidade de parte do patrimônio de seu titular, como qualquer bem, também poderá ser objeto de negócios jurídicos.

Elementos do Estabelecimento

A lei não estabelece quais elementos devam integrar um estabelecimento ou mesmo se existem elementos essenciais ou indispensáveis à configuração do instituto. Isto significa que o complexo de bens a que se refere o artigo 1.142 poderá ser organizado de acordo com os interesses do empreendedor.

Aliás, de uma maneira geral, os elementos que compõem os estabelecimentos vão variar caso a caso, especialmente se levarmos em consideração a natureza distinta das atividades desenvolvidas pelo empresário ou pela sociedade, os quais irão reunir e organizar os bens que entenderem necessários e funcionais ao desempenho de suas respectivas atividades.

Também não existe fixidez na estrutura reunida e organizada. Em outras palavras, poderão ser incluídos e até mesmo retirados determinados bens, conforme as necessidades e interesses do proprietário. Quanto à última hipótese, é oportuno esclarecer que a retirada não pode ser tal que venha a afetar o fundo de empresa, porque assim restaria prejudicado o exercício da atividade.

Para corroborar o raciocínio delineado acima, é oportuna a lição de Fabio Ulhoa Coelho, segundo o qual “...admite-se, até certos limites, que os seus bens componentes sejam desagregados do estabelecimento comercial, sem que este tenha sequer o seu valor diminuído. Claro está que a desarticulação de todos os bens, a desorganização daquilo que se encontrava organizado, importa em desativação do estabelecimento comercial, em sua destruição, perdendo-se o seu valor[4]”.

É oportuno ressaltar que esse complexo de bens abrange não apenas aqueles considerados como materiais ou corpóreos, como também os imateriais ou incorpóreos, todos organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária para o exercício da empresa.

São corpóreos todos aqueles que ocupam um espaço físico no mundo exterior. Podemos citar como exemplos os móveis, o maquinário, os veículos, as mercadorias em estoque, entre outros.

Os bens incorpóreos são todos aqueles que não ocupam um espaço físico no mundo exterior. Entre os principais bens imateriais, temos os bens de propriedade industrial, tais como as marcas registradas, as patentes de invenção, registros de desenho industrial e o título de estabelecimento.

Há controvérsia sobre se o bem imóvel integra ou não o estabelecimento. Alguns autores sustentam que, de acordo com o nosso ordenamento, que consagra o fundo empresarial como universalidade de fato, figura classificada juridicamente como bem móvel, não se poderia admitir a inclusão, dentro os seus elementos, de um bem imóvel.

Por outro lado, para a solução desta dúvida sobre a possibilidade de inclusão ou não do bem imóvel entre os elementos do fundo empresarial, é fundamental a análise do caso concreto. Caso o imóvel seja de propriedade do empresário ou da sociedade empresária, poderá integrar o estabelecimento, desde que se constitua como um dos elementos de exploração daquela atividade econômica específica exercida. Caso contrário, não sendo de propriedade do empresário ou da sociedade empresária, não poderá integrar o fundo de empresa.

Trespasse do Estabelecimento

Sendo o mais importante instrumento da atividade empresarial, é natural que esse complexo de bens reunido e organizado pelo empresário ou pela sociedade empresária, integrado por diversos elementos, mas considerado pela lei como um todo unitário, desperte o interesse como objeto da realização de negócios e, assim, seja dotado de um valor econômico.

Uma racional e eficiente reunião e organização dos elementos é fator decisivo para o sucesso no exercício da atividade econômica, agregando valor ao todo unitário resultante deste processo, pela possibilidade de maximização dos lucros decorrentes do desempenho da atividade. É por este motivo que, muitas vezes, o valor do estabelecimento empresarial supera o total da soma dos valores individuais dos bens que o compõem.

A definição de sua natureza como universalidade de fato não afasta a possibilidade de realização de negócios jurídicos específicos sobre alguns bens que o integrem, individualmente considerados. Mas é a alienação conjunta dos elementos que tem maior relevância, inclusive social, na medida em que possibilita a preservação da atividade econômica, ainda que o seu exercício seja levado a efeito por terceiro.

O artigo 1.143 do Código Civil permite a realização de negócios jurídicos envolvendo o estabelecimento, ao estabelecer que “pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”, entre os quais se inclui o contrato de alienação, também conhecido como trespasse.

O trespasse se constitui como uma das hipóteses de transferência voluntária do estabelecimento. Tem origem na expressão “passa-se o ponto”, mas desde já devemos dizer que o estabelecimento não pode ser confundido com o que se convencionou denominar “ponto comercial”, na medida em que este é apenas o local onde o empresário se estabelece e desenvolve o seu negócio. Estabelecimento e ponto comercial, então, são institutos diversos e a distinção fica muito clara quando analisamos a hipótese em que o proprietário do estabelecimento não é o proprietário do imóvel onde ele funciona, tendo ali se instalado em virtude da celebração de contrato de locação.

Também não podemos confundir a transferência do estabelecimento com negócios envolvendo a cessão de quotas ou aquisição de ações representativas de participação no capital das sociedades. O trespasse opera a transferência voluntária apenas do estabelecimento, sem alteração na titularidade das quotas ou ações da sociedade, como acontece nas hipóteses de cessão de quotas e aquisição de ações.

O trespasse é um negócio jurídico, um contrato, cujo objeto é a alienação voluntária do estabelecimento empresarial. Esse instrumento específico regulará os termos e as condições estabelecidas pelas partes para o negócio. Como vimos, é possível ressalvar a não inclusão de alguns bens que integram o estabelecimento, desde que a sua essência, como todo unitário, não reste descaracterizada.

Dada a importância do negócio jurídico em questão, especialmente em relação aos possíveis efeitos sobre terceiros, a lei exige uma série de requisitos para a sua validade, os quais podem ser divididos em:

a) quanto ao contrato:
- que o contrato seja averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis;
- que o contrato seja publicado na imprensa oficial.

b) quanto é eficácia da alienação em relação aos credores do alienante:
- que ao alienante restem bens para solver o seu passivo;
- que o alienante, caso não disponha de outros bens suficientes para solver seu passivo, pague previamente todos os credores, ou os notifique, via Cartório de Registro de Títulos e Documentos, sobre a realização do negócio, devendo obter consentimento expresso ou tácito, em até trinta dias após a notificação.

O negócio também importa numa série de conseqüências para o adquirente e para o alienante, tais como:

a) para o adquirente:
- responsabilidade pelo pagamento dos débitos regularmente contabilizados, anteriores à transferência;
- salvo disposição contratual em contrário, sub-rogação nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal;

b) para o alienante:
- permanece solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento;
- salvo autorização expressa, não poderá fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

Outra questão relevante relacionada ao trespasse está na análise da Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Segundo o Art. 94, III, “c” e “d” do referido diploma legal, aquele que realizar a transferência de seu estabelecimento a terceiro, sem a notificação e consentimento de todos os seus credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo, ou que simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização, ou para prejudicar credor, terá a sua falência decretada, pela prática de ATO DE FALÊNCIA.

A lei considera ineficaz em relação à massa falida o negócio que importa na venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, se não restarem ao devedor (alienante) bens suficientes para solver o seu passivo, desde que haja oposição dos credores (dentro de trinta dias), após serem devidamente notificados.

A Lei 11.101/05, com objetivo de preservar a atividade econômica, e assim manter a fonte geradora de riquezas, considerou a alienação do fundo empresarial como uma das soluções para a recuperação judicial do empresário ou da sociedade empresária, ao permitir o trespasse do estabelecimento.

Por oportuno, devemos destacar alguns enunciados editados pelo Conselho da Justiça Federal, por ocasião da realização da III Jornada de Direito Civil:

Enunciado 233 – Art. 1.142: A sistemática do contrato de trespasse delineada pelo Código Civil nos arts. 1.142 e SS., especialmente seus efeitos obrigacionais, aplica-se somente quando o conjunto de bens transferidos importar a transmissão da funcionalidade do estabelecimento empresarial.

Enunciado 234 – Art. 1.148: Quando do trespasse do estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite automaticamente ao adquirente. Fica cancelado o Enunciado n 64.

Sucessão

A transferência do estabelecimento acarreta a sucessão nas obrigações do alienante. Basicamente, as obrigações podem ser divididas em:

- Comerciais e civis;
- Tributárias;
- Trabalhistas.

A sucessão nas obrigações comerciais e civis do alienante tem fundamento no artigo 1.146 do Código Civil, enquanto a sucessão nas obrigações tributárias é imposta por normas específicas do Código Tributário Nacional, especialmente os artigos 132 e 133;

Já a sucessão trabalhista é fundamentada inicialmente no princípio de que, naquele ramo do Direito, qualquer alteração na propriedade ou na estrutura jurídica de uma sociedade não poderá acarretar prejuízos ao direito dos empregados. De acordo com esta linha de raciocínio, os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho corroboram a idéia de que a sucessão no Direito do Trabalho decorre da simples tradição do estabelecimento ao adquirente, com a transferência do complexo de bens agregados à atividade econômica exercida.

Ainda em relação à sucessão nas obrigações, é importante analisarmos os aspectos da Lei 11.101/05, que assim podem ser resumidos:

l Na Falência: o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e NÃO haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor (Art. 141, II - Maximização do Ativo);
l Na Recuperação Judicial: o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e NÃO haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor (Art. 90, p.único);
l Na Recuperação Extrajudicial: HAVERÁ sucessão do arrematante nas obrigações do devedor.

Outra questão relevante está relacionada à impossibilidade de o adquirente fazer concorrência ao alienante, na forma prevista no artigo 1.143 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.143. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

Aparentemente, quis o legislador criar um mecanismo de proteção do adquirente, no sentido de evitar o restabelecimento do alienante no mesmo ramo de negócio, por um determinado prazo. Parece razoável a limitação imposta, até porque, sendo de seu interesse, poderá o alienante negociar a autorização expressa para o seu restabelecimento no mesmo ramo, conforme lhe faculta a lei.

Por fim, devemos esclarecer que parte da doutrina formula uma série de críticas em relação ao tratamento dispensado pela legislação ao trespasse, no que diz respeito às perspectivas em relação à análise econômica do Direito. Argumenta-se que a imposição de pesadas responsabilidades ao adquirente de estabelecimento empresarial acaba por servir de desestímulo a potenciais interessados na sua aquisição, inibindo assim a realização de negócios visando a transferência de sua titularidade, o que muitas vezes vai de encontro ao princípio da preservação da atividade.

Principal Estabelecimento e Sede

De acordo com Mônica Gusmão, “as expressões sede e estabelecimento principal não são sinônimas. Sede identifica domicílio e tem conotação meramente administrativa. É adequada do ponto de vista contratual. Principal estabelecimento revela o aspecto operacional da empresa. É mais adequada do ponto de vista econômico”. Continuando, a autora adverte ainda que “a locução principal estabelecimento encerra o conteúdo completo do lugar onde estão os livros obrigatórios da empresa, onde se situa a sua chefia, de onde partem ordens, diretrizes e instruções. Numa palavra: o centro das suas decisões, a sua matriz. As filiais, sucursais e agências são estabelecimentos secundários, de modo geral vinculados ao estabelecimento principal[5]”.

Penhor do Estabelecimento

Em relação ao penhor, dispõe o Código Civil:

Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.
Parágrafo Único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

Trata-se de direito real de garantia que incide sobre bens móveis, pelo qual se opera a transferência da posse, permanecendo o bem vinculado ao cumprimento de obrigação assumida pelo devedor.

Há controvérsia na doutrina acerca da possibilidade de constituição de penhor sobre o fundo de empresa. A partir de análise da natureza do estabelecimento, os autores divergem em suas opiniões sobre a possibilidade ou não de que o estabelecimento, como todo unitário, seja objeto de penhor.

Por outro lado, é praticamente unânime o entendimento que aponta para a possibilidade de penhor de elementos isolados que integram o fundo empresarial.

Desapropriação

O instituto jurídico da desapropriação pode ser conceituado como um meio de intervenção drástica do Estado na propriedade privada, através do qual se opera a transferência da propriedade particular ao Poder Público, mediante o pagamento de indenização justa, prévia e em dinheiro.

Trata-se de ato expropriatório compulsório emanado pela autoridade administrativa, com vista à satisfação de interesse social ou utilidade pública. É permitido pela constituição e regulado por normas de Direito Administrativo, podendo gerar uma série de impactos no exercício da atividade econômica, até mesmo inviabilizá-la, na hipótese de incidir sobre imóvel que eventualmente integre determinado estabelecimento empresarial.

Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que não é correto falar em “desapropriação do estabelecimento”. A desapropriação é sempre do imóvel onde está instalado o fundo de empresa.

Como vimos, o estabelecimento empresarial é o principal instrumento para o exercício da atividade econômica organizada pelo empresário (individual ou sociedade). Então, não se lhe pode negar o status de bem economicamente apreciável, dotado de valor econômico, tanto que o próprio ordenamento regula hipóteses de celebração de negócios onerosos que o tenham como objeto.

Por razões idênticas, não se pode negar que a realização do ato administrativo expropriatório sobre o imóvel onde funciona o estabelecimento priva o empresário do principal instrumento para o exercício da atividade por ele desempenhada. Melhor explicando: a desapropriação configura verdadeiro desmantelamento do complexo de bens reunido e organizado pelo empresário ou pela sociedade empresária.

Portanto, é possível o ajuizamento de ação judicial autônoma contra o Estado, com fundamento na perda do fundo de empresa.

A indenização pela perda do fundo de empresa não se confunde com a indenização pela desapropriação do imóvel. Ambos os direitos podem convergir para uma mesma pessoa (empresário ou sociedade), quando esta é proprietária tanto do estabelecimento quanto do imóvel em que este se encontra instalado, ou mesmo para pessoas diferentes (locador: pessoa física ou jurídica / locatário: empresário ou sociedade), na hipótese de o proprietário do estabelecimento não ser proprietário do imóvel onde ele funciona (ex.: relação de locação), como nas situações elencadas abaixo.

l Empresário individual ou pessoa jurídica proprietários do imóvel – além da indenização justa, prévia e em dinheiro pela desapropriação, poderão ajuizar a ação autônoma com fundamento na perda do fundo de empresa;
l Empresário individual ou pessoa jurídica locatários do imóvel – a indenização pela desapropriação caberá ao proprietário do imóvel, mas eles poderão ajuizar a ação autônoma com fundamento na perda do fundo de empresa.


Referências Bibliográficas:


[1] FIÚZA, Ricardo. Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2004, pgs. 1.051-1.052
[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, 25 Edição, 1 volume, pgs. 96-98
[3] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito da empresa (arts. 1.052-1.195). São Paulo. Saraiva, 2003, vol. 13, pgs. 613-614
[4] COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. São Paulo. Saraiva, 2003, 14 Ed., p.58
[5] GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial. Rio de Janeiro. Ímpetus, 2003, p. 110

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