domingo, 2 de agosto de 2009



A AQUISIÇÃO E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA À LUZ DO ORDENAMENTO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

Autor: Vinicius Figueiredo Chaves. Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio, com extensões em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais. Pesquisador da pós-graduação em Direito Empresarial da Fundação Getúlio Vargas, na área de Direito Societário. Formado pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Cursou os Programas Top VI e VII (Formação de Professores), em Mercado de Capitais, da Bm&fBovespa e Comissão de Valores Mobiliários. Professor Convidado do MBA Executivo da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá.

SUMÁRIO: Personalidade Jurídica. Aquisição. Efeitos. Sociedade não personificada. Sociedade em comum. Sociedade em conta de participação. Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica. Abuso do direito e fraude através da pessoa jurídica. Teoria maior e teoria menor da desconsideração. Teoria invertida. Aspectos processuais da teoria da desconsideração

Personalidade Jurídica

O Código Civil de 2002, ao tratar dos institutos da personalidade e da capacidade, prescreve que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. O dispositivo em questão indica a aptidão da pessoa para exercer direitos e contrair obrigações na ordem civil.

O novo texto legal substituiu o vocábulo “homem”, presente em dispositivo do direito anterior (Código Civil de 1916), por “pessoa”. A noção de pessoa, mais abrangente, nos permite identificar a capacidade de direito também das pessoas jurídicas.

A personalidade da pessoa humana se inicia com seu nascimento com vida (segundo alguns, desde a concepção). Já a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do respectivo ato constitutivo perante o órgão de registro com atribuição.

De acordo com o artigo 44 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito privado as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. As associações e fundações, consideradas sociedades sob a égide do sistema anterior, não mantiveram este status.
Com base na sistemática atual, é possível afirmar que toda sociedade é uma pessoa jurídica, mas nem toda pessoa jurídica é uma sociedade.

A personificação das sociedades nada mais é do que a atribuição de personalidade jurídica, ou seja, de capacidade de direito, que implica na possibilidade de atuar na ordem jurídica, seja exercendo direitos ou contraindo obrigações.

A personalidade da pessoa jurídica difere da personalidade jurídica de seus membros. Ela tem existência distinta e, assim, poderá tanto exercer direitos quanto contrair obrigações em nome próprio, sejam aquelas decorrentes da própria lei ou mesmo as assumidas através de seus órgãos de representação.

Aquisição

O “nascimento” de uma sociedade, isto é, o começo de sua existência legal, como ente autônomo e distinto de seus sócios, se dá com o registro de seu ato constitutivo perante o órgão competente (art. 985 CC/02). A partir de então ela adquire personalidade jurídica e a aptidão para exercer direitos e contrair obrigações em nome próprio.

Segundo a Lei, sociedades personificadas são aquelas regularmente constituídas e registradas no órgão com atribuição (art. 45 c/c arts. 985 e 1.150, todos do CC/02).

A constituição regular dependerá da observância de uma séria de requisitos mínimos estabelecidos para a constituição das sociedades. Neste ponto, podemos verificar a existência de requisitos gerais, comuns a todas as sociedades, tal como a pluralidade de sócios. Por outro lado, existem também requisitos específicos, às vezes próprios de um determinado tipo societário, tal como a exigência de conselho de administração nas companhias abertas.

Quanto ao registro é preciso primeiramente identificar o órgão próprio, providência que deverá ser precedida de análise acerca da natureza da sociedade. Isto porque o Código Civil classificou as sociedades em empresárias ou simples, sem concentrar a atribuição do registro a um único órgão. Estas deverão registrar seu ato constitutivo perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Aquelas deverão fazê-lo perante o Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais. Esta é a regra.

Discute-se na doutrina se o registro guardaria natureza constitutiva ou declaratória. Alguns sustentam que embora, segundo o Código Civil, as sociedades somente adquiram personalidade com o registro, na prática elas adquirem-na no ato de sua constituição. O fundamento deste raciocínio se encontra no artigo 987, que possibilita a terceiros provarem a existência de sociedade, ainda que não inscrita no registro próprio.

Por fim, deve-se ressaltar que o empresário individual não adquire personalidade jurídica com o registro no RPEM ou RCPJ. Na condição de pessoa humana, adquire personalidade jurídica quando de seu nascimento com vida. A inscrição de sua firma perante o órgão com atribuição apenas lhe confere regularidade.

Efeitos

Como primeiro efeito da aquisição da personalidade decorre a aptidão da pessoa jurídica para exercer direitos e contrair obrigações em nome próprio.

Outro efeito fundamental que decorre da personificação é a autonomia patrimonial das sociedades. Ela consiste na existência de um patrimônio próprio, destacado do patrimônio dos sócios, independentemente do grau de responsabilidade assumido pelos membros da sociedade.

É relevante destacar que a sociedade, diferentemente de seus membros, tem responsabilidade sempre ilimitada. Melhor explicando: a sociedade sempre responderá com todos os seus bens pelas obrigações contraídas. A eventual limitação de responsabilidade será sempre dos sócios ou acionistas, dependendo do tipo societário adotado.

Como vimos, é o registro no órgão com atribuição quem confere personalidade e regularidade à sociedade. A falta de registro ou mesmo, segundo alguns, a sua realização perante órgão sem atribuição poderá acarretar sanção civil das mais graves aos sócios, qual seja, responsabilidade solidária e ilimitada, independentemente do tipo societário adotado.

A noção de regularidade é extremamente importante na prática. Como exemplo, podemos citar que somente as sociedades regulares poderão requerer a falência de seus devedores ou mesmo pedir recuperação, nos termos da Lei 11.101/05.

Sociedade não personificada

O Código Civil de 2002 classificou as sociedades em personificadas e não personificadas, conforme tenham ou não personalidade jurídica.

Como sociedades não personificadas foram elencadas a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação.

Não personificada é a sociedade que não possui personalidade jurídica, ou porque não se efetuou o registro de seu ato constitutivo perante o órgão próprio, ou ainda porque a própria Lei determina a inexistência de personalidade.

É fundamental o entendimento de que tanto a sociedade em comum quanto a sociedade em conta de participação não podem ser considerados tipos ou formas societárias.

Sociedade em comum

Mônica Gusmão ensina que “sociedades em comum são aquelas que não têm os seus atos constitutivos inscritos no órgão competente (Registro Civil de Pessoas Jurídicas, se se tratar de sociedade simples, ou no Registro Público de Empresas Mercantis, se se cuidar de sociedade empresária)[1]”.

De acordo com o Código Civil de 2002, a organização da atividade assumiu papel de destaque na identificação da natureza das sociedades, bem como para a verificação do órgão de registro adequado para a inscrição de seus atos constitutivos.

Ocorre que, ao contrário do Código Civil Italiano, a lei civil brasileira não enumerou ou exemplificou as atividades que caracterizariam o exercício da empresa, limitando-se a conceituá-la como atividade econômica organizada. Como se não bastasse, o novo diploma legal, na forma do Art. 986 c/c o Art. 990, ao disciplinar a sociedade em comum, impõe ainda aos sócios uma sanção civil das mais graves (responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais), para a hipótese de não inscrição dos atos constitutivos.

Assim, a falta de critérios objetivos para a caracterização de uma atividade como “de empresa”, resulta na necessidade de, no caso concreto, se realizar um raciocínio sobre a existência ou não de uma estrutura empresarial.

Entretanto, a distinção entre as atividades objeto das sociedades simples e empresárias apresenta-se, em diversas situações, como muito tênue. Criou-se, na verdade, uma verdadeira zona cinzenta para o intérprete, devido à mencionada dificuldade para enquadramento no conceito geral e conseqüente classificação.

Pelo exposto, não parece razoável a imputação de sanção tão grave aos sócios, para eventual hipótese de inscrição perante órgão inadequado. A referida sanção deve se restringir às hipóteses de falta de inscrição, má-fé, erro crasso ou inobservância da norma constante do parágrafo único do Art. 982.

Sociedade em conta de participação

A sociedade em conta de participação apresenta uma forma sui generis de realização de seu objeto social.

Segundo o artigo 991, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por um dos sócios, denominado “sócio ostensivo”, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade. Os demais sócios, denominados “sócios participantes”, apenas participam dos resultados decorrentes do exercício da atividade.

Pelas obrigações contraídas perante terceiros responde tão-somente o sócio ostensivo. Já o sócio participante responde apenas perante o ostensivo, na forma do contrato social.

Muitos autores sustentam que a sociedade em conta de participação não é uma verdadeira sociedade, por lhe faltarem características essenciais às sociedades.

O artigo 44 do Código Civil estabelece que as sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, o que significa possuírem personalidade jurídica. Por outro lado, ainda que se efetue a inscrição do ato constitutivo da sociedade em conta de participação, esta não será dotada de personalidade jurídica, conforme se depreende da leitura do artigo 993 do Código Civil.

Desconsideração da personalidade jurídica

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu de construções doutrinárias e jurisprudenciais, a partir de estudos e julgamentos de casos concretos levados às Cortes de Justiça inglesas e norte-americanas.

No Brasil, foi inserida no ordenamento jurídico somente com o advento da Lei 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor. Em seguida, foi prevista nas Leis 8.884/94 e 9.605/98. O Código Civil de 2002 também a incorporou, ao estabelecer em seu artigo 50 que “em caso de abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Da personificação societária decorre a autonomia subjetiva e objetiva da pessoa jurídica. O primeiro aspecto indica a criação de um ente cuja existência não se confunde com a de seus sócios, enquanto o segundo aponta para a formação de um patrimônio próprio distinto do patrimônio pessoal dos sócios.

Por outro lado, constatou-se que o reconhecimento de autonomia absoluta à pessoa jurídica, além de outras prerrogativas conferidas pelo ordenamento jurídico, dava margem ao seu mau uso pelos sócios, a partir do desvirtuamento de suas finalidades, em detrimento de sua função social. Em outras palavras, utilizava-se corriqueiramente o “escudo” da personificação para fins contrários ao Direito, invocando-se a autonomia, principalmente em seu aspecto objetivo, para conseguir a isenção de responsabilidade pelos atos ilícitos levados a efeito.

Em relação à questão levantada acima, oportuno trazer a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

“Como se vê destes exemplos, por vezes, a autonomia patrimonial da sociedade comercial dá margem à realização de fraudes. Para coibi-las, a doutrina criou, a partir de decisões jurisprudenciais, nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pela qual se autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização de fraude. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação que, originalmente, cabia à sociedade[2]”.

Também conhecida como disregard doctrine, disregard of the legal entity ou teoria da penetração, a teoria constitui relativização do princípio da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros, sendo aplicada no caso concreto com o objetivo de afastar momentaneamente a personalidade, no sentido de estender aos sócios a responsabilidade por determinadas obrigações contraídas pela pessoa jurídica, em virtude de atos irregulares (abuso de direito/fraude) praticados em sua gestão.

A desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com a despersonificação societária. São institutos totalmente distintos.

Segundo Requião, “... a disregard doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente visa desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos[3]”.

A desconsideração consiste no afastamento momentâneo da personalidade jurídica da sociedade para, em determinado caso em concreto, estender aos sócios a responsabilidade pelo cumprimento de determinadas obrigações. Não há anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão. Já a despersonificação elimina definitivamente a personalidade jurídica da sociedade, implicando na sua extinção. A sociedade, então, deixa de existir.

Doutrina e jurisprudência identificam alguns pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração, entre eles:

l Constituição regular da sociedade, isto é, que se trate de sociedade personificada, o que afasta desde logo a possibilidade de sua aplicação em relação às sociedades em comum e em conta de participação;
l Abuso da personalidade jurídica (abuso de direito/fraude) praticado pelos sócios, em nome da pessoa jurídica;
l Prejuízo a terceiro em decorrência do ato;
l Excepcionalidade (impossibilidade de sanção por modo diverso, ou seja: a teoria não deve ser invocada nas hipóteses em que a própria Lei já impõe responsabilidade aos sócios ou administradores, como no caso do art. 1.080 do CC/02).

A questão da excepcionalidade é fundamental para a aplicação correta da teoria. Está a indicar que a regra é privilegiar a personalidade jurídica, prevalecendo apenas excepcionalmente o mecanismo de penetração no âmago da pessoa jurídica, e ainda assim diante de situações específicas, através de afastamento momentâneo do véu societário.

Deve-se ressaltar, ainda, que existe diferença entre a desconsideração e a responsabilidade dos sócios e administradores de uma sociedade, já que a responsabilidade decorre da prática de ato ilícito ou má administração dos negócios. O ordenamento também prevê hipóteses de responsabilidade dos sócios e administradores pela prática de atos contrários à lei, ao contrato ou estatuto social, como as contidas nos artigos 158 da Lei 6.404/76 e 1.080 do Código Civil.

Sobre o tema, assim se posiciona Alexandre Ferreira de Assumpção Alves:

“Não há que se considerar a incidência da desconsideração da personalidade jurídica em situações de responsabilidade solidária ou subsidiária, porque na desconsideração o sócio responderá por ato próprio praticado sob a proteção da personalidade jurídica, enquanto nestas ele é co-responsável ou responsável secundário pelas obrigações assumidas pela sociedade. Embora o ato tenha sido praticado em nome da pessoa jurídica, esta não foi de fato sujeito da relação, simplesmente um instrumento valioso para o sócio atingir a finalidade almejada. Para ajustar a aparência à realidade, a pessoa jurídica deve ser isentada de qualquer responsabilidade decorrente do ato ou conjunto de atos praticados pelo agente nessas condições. Outrossim, cumpre salientar que as responsabilidades solidária e subsidiária são aplicadas de forma restritiva no direito brasileiro, haja vista referirem-se à sujeição passiva de terceiro por obrigação de outrem, ficando, por isso mesmo, adstritas aos casos previstos em leis ou convenções[4]”.

Por fim, é oportuno esclarecer que doutrina e jurisprudência reconhecem a subdivisão da teoria, nas vertentes conhecidas como teoria maior e teoria menor da desconsideração, a seguir explicitadas.

Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica

A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica é considerada como regra geral no direito brasileiro. Condiciona o afastamento da personalidade à existência de prova de fraude ou abuso de direito (desvios de finalidade), mas também pode ser invocada na hipótese de confusão patrimonial entre os bens particulares dos sócios e os bens da sociedade.

Abuso de direto e fraude através da pessoa jurídica

O abuso de direito e a fraude através da pessoa jurídica são requisitos para a aplicação da teoria maior da desconsideração. Ao contrário do que acontece na hipótese da aplicação da teoria menor, aqui a mera insolvência não é suficiente para a aplicação da teoria.

Teoria menor da desconsideração

O grande parâmetro jurisprudencial sobre a teoria menor da desconsideração foi construído a partir do julgamento, pelo STJ, do RESP 279.273, na demanda que envolvia o desabamento do Shopping Osasco, em São Paulo, cuja íntegra da ementa segue abaixo.

“Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping
Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais.
Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração.
Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código
de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.

- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem
econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses
individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.

- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico
brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a
pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se,
aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de
finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de
confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento
jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental,
incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento
de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade
ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas
não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica,
mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem
conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova
capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou
administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo
está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a
incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos
previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera
existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.

- Recursos especiais não conhecidos”.

Na teoria menor, o afastamento da personalidade se dá com a mera prova da insolvência, sem necessidade de verificação do abuso de direito e da fraude praticados por intermédio da pessoa jurídica. A inexistência de bens sociais para o pagamento do débito e a possibilidade de prejuízo daí decorrente já justificariam a desconsideração da personalidade.

Esta concepção vem sendo acolhida pelo Judiciário somente no âmbito dos Direitos do Consumidor, Ambiental e do Trabalho.

Teoria invertida

Entre as principais formas de efetivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, temos a conhecida como “teoria invertida”. No caso concreto, desconsidera-se a personalidade da sociedade para alcançar os bens dela própria, cuja estrutura serviu de escudo para atos fraudulentos praticados pelos sócios.

Como exemplo, podemos vislumbrar determinada situação em que o sócio “esconde” seus bens particulares, transferindo-os para a sociedade, com intuito único de se furtar a responsabilidades pessoais decorrentes de relações patrimoniais familiares, em benefício próprio e em detrimento de terceiros.

Aspectos processuais da teoria da desconsideração

Muito já se discutiu sobre os aspectos processuais da teoria.

Atualmente, prevalece que a parte prejudicada poderá pleitear a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade incidentalmente, isto é, nos próprios autos do processo onde se tenha verificado os requisitos e o prejuízo a terceiro. Não é preciso aforar demanda própria com pedido específico de afastamento momentâneo da personalidade jurídica. O STJ já se posicionou no sentido de que “a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentalmente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros”.

Por outro lado, muitas vezes é possível constatar a fraude de plano (ex: dissolução irregular, abandono de estabelecimento). Nestas hipóteses, alguns sustentam a possibilidade de desconsideração direta da personalidade. Restaria dispensada a necessidade de instauração de demanda prévia e exclusiva em face da sociedade, para só depois, já no curso desta, se pleitear o afastamento da personalidade jurídica. Ainda assim, é prudente ao autor da demanda incluir a sociedade no pólo passivo, ao lado de seus sócios, fazendo prova da situação de abuso ou fraude alegada como justificativa da desconsideração direta.

Outra questão de relevo diz respeito à necessidade ou não de se instaurar o contraditório prévio. Em outras palavras, se estaria o juiz obrigado ou não a ouvir a sociedade antes de decidir pela desconsideração de sua personalidade jurídica. No Ag.RESP 422583/PR, o STJ se manifestou no sentido de que “a desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que só pode ser decretada após o devido processo legal, o que torna a sua ocorrência em sede liminar, mesmo de forma implícita, passível de anulação”. Ainda assim, não são incomuns decisões que aplicam a teoria sem a instauração do contraditório prévio ao afastamento da personalidade.

Referências Bibliográficas:

[1] GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial, Rio de Janeiro: Ímpetus, 2003, p. 33
[2] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 12 Edição, 2000, p. 113
[3] REQUIÃO, Rubens. Aspectos Modernos de Direito Comercial, p. 69
[4] ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: Um estudo de direito civil-constitucional. In TEPEDINO, Gustavo, Problemas de Direito Civil-Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 144

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